Recentemente, temos testemunhado em Portugal o crescimento de um activismo climático mais "radical" (uso este termo com bastante cuidado e entre aspas).
Durante uma conferência sobre a transição energética, não há muito tempo, três activistas atiraram bolas de tinta verde ao Ministro do Ambiente, expressando várias palavras de ordem, como por exemplo as as suas queixas contra a empresa de energia portuguesa - a EDP. A sua mensagem? "(...) A EDP não quer saber da transição energética."
No World Aviation Festival em Lisboa, uma das maiores conferências mundiais de aviação comercial, vários activistas invadiram o palco principal durante um painel com diversos CEO’s de várias companhias aéreas. Ironicamente quando estes discutiam o caminho para atingir a meta de “Carbono Zero”. Simultaneamente, outros activistas pintaram o exterior do edifício de vermelho, acompanhando a sua acção com slogans como "A aviação está a matar-nos," "Parem a Aviação," e "vocês são assassinos." Palavras muito fortes. Eu estava lá, sentado nas primeiras filas, e sendo piloto, acho que caí sob a etiqueta de "assassino".
Na semana passada, numa exposição de arte no Centro Cultural de Belém, dois activistas pintaram um quadro de Picasso de cor laranja e colaram-se à parede. Felizmente o quadro estava protegido por uma protecção acrílica. Infelizmente, este não é um evento isolado; incidentes semelhantes têm ocorrido um pouco por todo o mundo.
Estes três exemplos são apenas a ponta do iceberg (ainda hoje alguém se decidiu colar a um avião da companhia aérea nacional). Não me interpretem mal: sou bastante liberal nesta questão. Acredito que o Activismo é essencial numa sociedade democrática livre e, por vezes, é a única maneira de impulsionar o progresso. De crescer. De chamar a atenção para questões críticas. Como Steve Jobs costumava dizer, "Aqueles que são loucos o suficiente para pensar que podem mudar o mundo são os que o mudam".
No entanto, o que me preocupa é o aumento do que eu chamaria de activismo "não muito inteligente," e aqui está o porquê: dados. Dados concretos e factuais. Quando alguém realiza uma ação pública como as mencionadas acima (acções com grande visibilidade e potencial criador de prejuízos materiais), deve estar preparado para a apoiar com factos. É aí que começam as minhas (muitas) dúvidas.
Parece que, na esmagadora maioria dos eventos a que temos vindo a assistir, os activistas não fizeram o seu trabalho de casa: A EDP - Energias de Portugal - é, de facto, um exemplo de como uma empresa, especialmente uma empresa no sector de energia, está a fazer um trabalho louvável. Estabeleceram objetivo de se tornar neutros em carbono até 2030 - altamente ambicioso - e provavelmente conseguirão atingir o seu objectivo antes dessa data. Toda a energia que a EDP produzir será de fontes renováveis, o que é notável, especialmente quando percebemos o quão à frente do objetivo de 2050 estabelecido em Paris a empresa está. De tal maneira que os seus esforços foram recentemente reconhecidos pelas Nações Unidas, sendo a EDP apresentado como um modelo de empresa global a seguir.
De acordo com a Agência Internacional de Energia, o sector da Aviação representou apenas 2% das emissões globais de CO2 em 2022, com algumas fontes apresentando um valor de 2,5%. Portanto, parece-me claro que a Aviação não contribui significativamente para o aumento das emissões de CO2 em todo o mundo - representa sim uma pequena percentagem das emissões globais. E como em tudo na vida, devemos analisar os prós e os contras da nossa posição. Dois por cento (ou mesmo 2,5%) das emissões totais de CO2 não representa, de forma alguma, o cerne do problema, especialmente numa indústria considerada essencial como a aviação. Pergunto-me como esses mesmos activistas acham que as suas roupas chegaram a Portugal ou como é que os seus iPhones apareceram miraculosamente nas prateleiras das lojas… Não é intelectualmente honesto procurar interromper e parar toda uma indústria, todo um sector (como o da Aviação comercial), com slogans, que para além de serem de mau gosto, não representam os factos do mundo em que vivemos.
Por último, acho impressionante tentar estabelecer uma ligação entre a arte (e o seu eventual papel na nossa jornada climática) e as alterações climáticas. Não tenho a certeza se Picasso costumava ir para o seu jardim queimar carvão apenas por diversão… Mas tentar vandalizar uma das mais importantes obras de arte da história para simplesmente tentar passar uma mensagem parece-me um acto de insanidade. A arte representa o pináculo das nossas capacidades e engenho como espécie - um testemunho à nossa capacidade de criar aquilo que é uma beleza duradoura, apreciada por diferentes gerações ao logo da nossa história. A arte deveria ser admirada por estes activistas como um exemplo. Um exemplo de como podemos criar coisas que resistem ao teste do tempo, tal como nos esforçamos igualmente para construir um futuro melhor para os nossos filhos, e não o contrário.
Admito que este é um texto que não queria escrever. Mais uma vez, acredito firmemente que o Activismo é crucial. No entanto, este deve ser inteligente. Se pudesse falar com algum destes activistas, argumentaria que esta não é a forma mais eficaz de transmitir a mensagem - por mais válida que seja. Polarizam opiniões, deslocam o foco da mensagem para as acções em si e amplia o grande fosse que já separa parte da nossa sociedade contemporânea. Mais: minimiza e faz escárnio de anos de trabalho em busca de um mundo mais sustentável.
Portanto, por favor, antes de se envolverem em mais acções novamente, verifiquem os factos. Investiguem. Examinem os dados. Façam uma pausa, respirem fundo e perguntem a vocês mesmos: "Isto vai ajudar ou piorar a situação?" .
Pelo bem de todos nós, considerem o conselho de alguém que apoia também de forma firme a busca de sustentabilidade e o combate às mudanças climáticas. Pese embora vocês me considerem um “assassino”.
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