O dever de memória

Celebra-se hoje um pouco por toda a Europa os cem anos do fim da Primeira Grande Guerra. Em vários países organizam-se paradas militares que têm como objectivo homenagear aqueles que tombaram em tão longínquo conflito. 

E ainda bem que por cá fazemos o mesmo. 

Soldado português parte para a frente Europeia. (C) Joshua Benoliel / Arquivo Municipal de Lisboa

Soldado português parte para a frente Europeia. (C) Joshua Benoliel / Arquivo Municipal de Lisboa

Em Portugal foram poucas as vezes que tal aconteceu. A nossa memória colectiva é claramente selectiva. Escolhemos esquecer alguns episódios da nossa história, por vezes de forma presunçosa e rancorosa, sem nos apercebermos que, com isso, estamos a ser cruelmente injustos para com os nossos compatriotas que neles participaram.

A Primeira Grande Guerra é um claro exemplo. Milhares de portugueses lutaram, perderam a vida, ficaram feridos ou foram capturados naquele conflito. Longe do seu país, fosse na Flandres ou em África. Sem o mínimo de condições e menosprezados pelo poder político, deram o melhor de si - e o melhor de uma geração - em prol do seu país. Hoje homenageamos pessoas, e não actos ou motivações políticas. E é aqui que nós, como Nação, falhamos repetidamente: avaliamos os actos passados à luz da nossa sociedade, do nosso tempo e dos nossos valores. A razão política, a legitimidade do conflito ou a forma como foi gerido não está aqui em questão. Estão sim os nossos compatriotas que nesses conflitos lutam ou lutaram. E é incompreensível este desprezo que a sociedade civil tem para com os seus veteranos e militares no activo. Seja com aqueles que combateram há cem anos atrás, com aqueles que combateram no Ultramar ou com os militares que hoje combatem sob égide das Nações Unidas, União Europeia ou NATO em teatros tão distintos como a República Centro-Africana, o Afeganistão ou o Mali.  

Hoje, como “ontem”, estão ali homens e mulheres que dão o melhor de si, com coragem e altruísmo nas mais difíceis condições em combate, pelo seu país. 

Hoje não se celebra só o fim da Primeira Grande Guerra. Celebram-se todos aqueles que lutaram, ou lutam,  pela nossa Nação. Por nós.

A eles lhe devemos grande parte daquilo que temos. 

E o mínimo que lhes podemos oferecer é Respeito


Não é só correcto. É moralmente obrigatório.


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Obrigado

11 de Novembro de 2014. Estava eu em Bruxelas. Feriado nacional. 

Tanto na Bélgica como numa série de países – da Austrália ao Canadá, do Reino Unido à Holanda – celebrava-se o chamado “Remembrance Day”. Fazia então precisamente 96 anos que à 11ª hora do 11º primeiro dia do 11º mês foi assinado o armistício que terminou com a primeira grande guerra. 

Na Bélgica, como em muitos outros países,  celebravam-se aqueles que tombaram em combate. Aqueles que deram a sua vida pelo seu país. E aqueles que sobreviveram. Os veteranos. 

É, como o próprio nome indica, o dia da lembrança. Para que nunca se esqueçam aqueles que fizeram o derradeiro dos sacrifícios.

E olhei para o meu país. 

CEP

Participámos igualmente na primeira grande guerra. O CEP – Corpo Expedicionário Português – sofreu mais de 7000 baixas, a pouco mais de 50 km de onde me encontrava. Em África, tanto em Angola como Moçambique lutámos igualmente, da maneira possível, de forma valorosa. 

Quem visse o estado deplorável do nosso cemitério nacional na Bélgica não o diria. Não entendo, nem concebo, uma nação que não respeita aqueles que por ela lutaram. Aqueles que por ela deram, literalmente, tudo. 

A distância temporal e geográfica tende a fazer desvanecer a memória de um povo. O desinteresse, o esquecimento, a inércia instalam-se. Sempre admirei a forma como os restantes povos europeus celebram, respeitam e lembram os seus mortos e veteranos sempre com uma imparcialidade e objectividade incrível. Não julgam as guerras. Não julgam as razões. Não julgam a política. Lembram, e apoiam, apenas aqueles que lutaram e estão, ou não, entre os vivos. 

Independentemente de todas as razões ideológicas ou políticas, existem ainda hoje em Portugal milhares de homens e mulheres que lutaram pela bandeira nacional. Por Portugal. E esses – tal como aqueles que tombaram faz 100, 500 ou 800 anos – merecem o meu profundo respeito. Fosse nos campos da Flandres ou na selva guineense deram o melhor da sua vida pelo seu país. 

O lema da Armada,  orgulhosamente presente em todos os navios, refere muito simplestemente “A Pátria honrai que a Pátria vos contempla”. 

Quer-se-me parecer que cada vez menos a Pátria “os contempla”. 

E a Pátria somos todos nós. Todos. E todos lhes temos uma dívida de gratidão.

Obrigado.

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