Bem vindos de volta

622 980 km²

Esta é a área da República Centro Africana. Isolada no meio do continente africano este país é de uma dimensão quase idêntica à da França. Nele, e ao longo dos últimos meses, vários militares portugueses assumiram a função de Força de Reacção Rápida da missão das Nações Unidas.

Ontem, a 11 de Março, chegaram a Portugal os cercas de cento e oitenta elementos da nossa quarta força destacada, constituída maioritariamente por Paraquedistas do Exército e alguns (essenciais) elementos da Força Aérea Portuguesa.

 Aqui, a mais de quatro mil quilómetros de distância, é-nos difícil entender a enormidade da responsabilidade, da missão e do perigo por eles enfrentado. Numa imensidão de país, em terreno extremamente difícil e em condições atmosféricas infernais, aqueles pouco menos de duzentos portugueses fizeram efectivamente a diferença. Estiveram em combate por diversas vezes. Libertaram cidades e aldeias. Resgataram civis e repuseram a ordem. E fizeram-no sempre com um profissionalismo e dedicação que devia encher o peito de cada português de orgulho.

Paraquedistas portugueses em combate na cidade de Bambari. Foto via Diário de Notícias.

Paraquedistas portugueses em combate na cidade de Bambari. Foto via Diário de Notícias.

 Nós, por cá, com o bom tempo a chegar, céu limpo e uma vida tranquila, discutimos futebol, uma música do festival da canção ou novos programas de televisão. Gastam-se rios de tinta e horas de emissão com temas que, tenho de admitir, são no mínimo superficiais. Andamos hipnotizados numa espécie de ilusão colectiva que nos impede de ver – e reconhecer – aquilo que é importante e aqueles que entre nós merecem a nossa admiração.

E aqueles cento e oitenta portugueses mais do que merecem a nossa.

Haverá sempre quem critique. Quem mande abaixo. E quem interrogará sobre o porquê. Porque independentemente da razão e da legitimidade – e sim, estamos integrados numa força das Nações Unidas a cumprir um mandato internacional para protecção da integridade física de uma Nação e dos seus cidadãos – viverá sempre no meio dos portugueses um vil e ignorante “velho do Restelo”.

Mas os actos ecoam mais alto que as palavras. E, volto a repetir, num país várias vezes superior a Portugal aqueles militares fizeram a diferença. Tomara eu que muitos compatriotas meus os tomassem como exemplo. Pela garra, pelo profissionalismo e pelo orgulho de servirem Portugal. Porque é preciso alguém especial para arriscar a vida ao serviço da Nação em prol dos outros.

E vocês são-no.

Bem-vindos de volta.

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Virtude

Dizia um Furriel na reportagem emitida ontem pela SIC, sobre o curso 127 dos Comandos, durante a recruta do mesmo (anterior ao envio de alguns homens para a República Centro Africana): 

Aqui o objectivo é espírito de corpo. Que eles percebam que, aqui, o individualismo não os leva a lado nenhum.  Logo no primeiro dia em que vestem o uniforme eles entendem que basta um não estar bem e já estão todos mal. Um dia mais tarde, numa situação de combate, também não vão querer deixar um homem para trás.

Curto, claro e conciso. 

Porque é que a sociedade civil tem tanta dificuldade em entender isto? Pior: porque é que hoje em dia glorifica exactamente o oposto: o individualismo, o egoísmo, o ganhar a qualquer custo e, no processo, sacrificar terceiros. É a elevação do “Eu” face ao “Nós”. 

Não me interpretem mal: a competição, o lutar para ser melhor (e o melhor) e para se ser o “primeiro” é de salutar. Ser empreendedor e ambicionar superar os nossos pares é intrínseco à natureza humana. Somos competitivos e não existe volta a dar. Mas sê-lo esquecendo os valores da lealdade, da camaradagem, da entre-ajuda e de sentido de responsabilidade para com o próximo é malicioso e, a longo prazo, perigoso. 

Se não assimilarmos como sociedade o mais básico - este mesmo instinto de lutar por algo superior a nós, de serviço, de ajudar o próximo e fazer algo em prol de todos, nunca deixando o nosso “camarada para trás” - estaremos mais tarde ou mais cedo condenados à extinção como grupo. 

Militares portugueses na República Centro Africana // Foto de artigo: TACP da Força Aérea Portuguesa // (c) EMGFA

Militares portugueses na República Centro Africana // Foto de artigo: TACP da Força Aérea Portuguesa // (c) EMGFA

Costumava pensar, ingenuamente admito, que não entendia o desprezo revelado por parte da sociedade civil à instituição militar. Não entendia o que (n)os poderia irritar num bando de gajos que juraram com a própria vida fazer tudo por tudo para (n)os defender. Agora entendo que em vez de estar a tentar perceber a causa desse facto, o deveria ter encarado como sintoma. 

Sintoma de como todos nós estamos aos poucos e poucos a ficar podres

E têm de ser uns “putos” de 18 anos de boina na cabeça a provar que afinal ainda há muita virtude por aí. Ainda há muita coragem por aí. Ainda há verticalidade e integridade por aí. A instituição castrense pode ter muitos defeitos… mas tem com certeza inúmeras virtudes. Daquelas que nos fazem imensa falta.  

Cento e sessenta homens podem não conseguir salvar um país. Podem até não conseguir ter um impacto significativo naquela nação no centro de África. Mas relembram certamente dez milhões de portugueses de algo que parece perdido em nove séculos de Portugal: 

Camaradagem. União. Espírito de corpo. 

E se todos nós, como povo, pensássemos assim, em equipa, viveríamos certamente num sítio melhor. 

Muito melhor. 

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E hoje Comandos?

Soube-se ontem que o destacamento português na República Centro Africana, parte integrante da missão das Nações Unidas naquele país, entrou em combate. Sim, combate real. Por essa acção, que decorreu faz mais ou menos duas semanas, os militares portugueses foram agraciados com um louvor por parte do comandante das forças internacionais no terreno. Pela sua “prontidão operacional e excelente desempenho" na protecção da pequena localidade de Bambari de um grupo de rebeldes que a ameaçava.

O destacamento nacional – que representa a força de reacção rápida naquele teatro de operações – é composto por diversos militares do Exército e da Força Aérea Portuguesa mas, na sua grande maioria, é composto por Comandos. 

Os mesmos Comandos que, há alguns meses atrás, viram a sua existência ameaçada. O seu desempenho questionado e a sua honra manchada na praça pública. Alguns elementos políticos exigiram a sua eliminação a plenos pulmões.  Jornais colocaram-nos na capa. Telejornais abriram a emissão com eles. Gravaram-se reportagens especiais. Escreveram-se inúmeros textos de opinião. Esmiuçaram de fio a pavio o regimento, e, alguns, exploraram até ao limite o sofrimento dos familiares de quem, infelizmente, não sobreviveu. 

Militares portugueses na República Centro-Africana (autor desconhecido)

Militares portugueses na República Centro-Africana (autor desconhecido)

E hoje

Hoje temos um punhado de homens e mulheres – cento e sessenta para ser exacto – que numa missão das Nações Unidas, num dos mais perigosos países africanos, cumprem o seu dever de forma exemplar. Com dedicação, com garra e, há que dizê-lo, com uns tomates do caraças. 

E, digo-o novamente, em combate. Sim. Combate. Não numa qualquer secretária em São Bento, mas no meio de uma selva africana com as balas a zumbirem ao ouvido. Homens e mulheres que, com a bandeira nacional no braço, defendem quem não tem possibilidade de se defender. 

Honram e elevam o nome de Portugal. 

E hoje

Hoje não há capas de jornais. Não há notícias de abertura. Não há reportagens especiais. 

Há somente a saudade angustiante de cento e sessenta famílias.

Algo me diz que para eles é suficiente

Parabéns Comandos. 

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O louvor às tropas portuguesas.

O louvor às tropas portuguesas.