(Uma espécie de) Democracia

O The Economist Intelligence Unit publicou hoje o seu relatório “Democracy Index 2020 – In sickness and in health?”. Este documento, elaborado pela revista “The Economist”, mede o pulso à qualidade das democracias mundiais analisando vários factores. É um relatório único, um dos poucos do género, onde os diversos países são agrupados em quatro grandes grupos: full democracies, flawed democracies, hybrid regimes e authoritarian regimes.

Portugal, naquilo que poderá ser um choque para alguns, desceu de grupo, e é hoje considerado por este “think-thank” como “flawed democracy”, localizando-se no fundo da tabela referente à Europa Ocidental. O relatório relativo a 2020 sempre seria particular, consequência da crise pandémica que vivemos e das diversas medidas limitadoras dos movimentos impostas em várias democracias ocidentais. É importante não relativizar a importância de já não sermos considerados uma democracia plena, especialmente quando uma leitura mais atenta do relatório nos indica uma das explicações pela qual Portugal caiu de grupo:

In Portugal, the frequency of parliamentary debates (through which the prime minister is held accountable) was reduced during the pandemic. This, coupled with the lack of transparency around the appointment of the president of the auditing court, led to a deterioration in the checks and balances score.

Democracy Index Europe.png

As democracias são regimes frágeis e que muito dificilmente sobreviverão a uma permanentemente falta de transparência. Portugal está a entrar num caminho perigoso. Ser considerado uma “flawed democracy” é, infelizmente, uma fotografia bastante nítida do país em que vivemos actualmente. Em que uma procuradora geral da república competente é substituída, um presidente do tribunal de contas é afastado, uma procuradora com melhor currículo é preterida face a uma figura mais “amigável”, e onde membros do governo dizem não ser legítimo criticar o executivo. Sem qualquer consequência política. Sem qualquer pudor. Sem, arrisco-me a dizer, qualquer vergonha. Um caso seria inócuo, vários denotam um padrão. Uma tendência. E por isso é que uma chamada de atenção é importante. Vivemos num país onde a meritocracia foi substituída por um cartão partidário. Onde a competência é substituída por amizades. Onde a lógica é subvertida pela chamada “nomeação política”. Os “amigos” são o que mais conta e isso, por si só, leva a uma quebra de confiança nas instituições democráticas (e consequente subida do extremismo político).

Nunca sairemos da aparente espiral infindável de crises até que tenhamos uma reflexão clara sobre que democracia queremos, e que postura estamos dispostos a ter perante cargos públicos, perante a suposta impunidade reinante e perante a clara falta de auto-crítica de governos em funções. Independentemente da cor política.

A responsabilidade é de todos: dos órgãos de soberania ao cidadão comum. Do presidente da república ao eleitor que não vota. Dos meios de comunicação social ao comentador de Facebook.

E de nada vale gritar que é “uma vergonha” (porque o é) se não fizermos nada para o alterar (porque não o temos feito).

Competência precisa-se.

Urgentemente.


Poderão efectuar o download do relatório aqui: https://www.eiu.com/

www.merlin37.com/democracia