Jeito estranho

A Vida tem um jeito estranho, mas fabuloso, de nos brindar com coincidências. Daquelas que nos fazem exclamar "cum catano".

Era eu um cachopo, faz mais de quinze anos, e na minha cabeça germinava pouco mais que "aviação". Era um fanático. Livros, revistas, vídeos (VHS existiu e não é mito, para a malta nova!). Todos eles cruelmente espalhados lá por casa. A internet - essa invenção estranha com um dispositivo estranho que imitia um som estranho - estava no seu auge. O cachopo tinha tempo livre e portanto, num raro momento de clareza intelectual, decidiu dedicar-se a aprender um pouco de "webdesign" e "photoshop".

Aliando uma coisa a outra (a aviação e a recém adquirida capacidade de criar um sítio na World Wide Web) surgiu a primeira página de internet dedicada a uma Esquadra de voo da Força Aérea Portuguesa. O Falcões.net.

"Bom uso do meu tempo" pensava eu. Pacientemente e de forma ardilosa lá tentava dar conteúdo à página. Pedir umas colaborações aqui, arranjar umas fotos acolá, "inventar" uns textos. Aquele mundo para mim estava tão longe como Marte. E aquela era a forma que encontrei de reduzir um pouco essa distância.

Até que um dia abro a caixa de correio (electrónico). Ali, a negrito, estava um e-mail de alguém que não conhecia. Que raio! Onde foi aquele indivíduo buscar o meu e-mail.

Ao abrir o mesmo a surpresa: aquelas linhas, ali à minha frente, foram escritas por um piloto daquela Esquadra. E a acompanhá-las, algumas espectaculares fotos ar-ar de uns F-16 nacionais. Tudo cedido para publicação na página.

Não é tão bonito como um EH-101. Mas também não é feio! 

Não é tão bonito como um EH-101. Mas também não é feio! 

Compreendam a mentalidade de um puto de treze anos. Para ele aquilo representava o mundo. Um dos gajos que ele mais admirava - um piloto militar! - tinha perdido parte do seu tempo para lhe enviar um e-mail! A ele! A mim! Naquele dia deitei-me com um sorriso de orelha a orelha.

E os anos passam. Passam rápido, aliás. A página continua cá, eternamente alojada nesta imensidão de informação electrónica, como que a relembrar-me que, um dia, até fiz umas coisas porreiras.

E os anos passam. Mas hoje foi diferente. Hoje foi o dia em que eu, já com alguns cabelos brancos, voei com esse mesmo piloto que me enviou esse e-mail faz mais de uma década. Caramba. Quem diria!?

A Vida tem um jeito estranho... mas fabuloso, de nos proporcionar estes encontros do destino.

O puto de treze anos estaria a sorrir neste momento.

Aliás. Está mesmo. :)

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Dez

Dez. São dez. 

Dez filhos que voltam a casa. 

Dez mães que respiram fundo. 

Dez ave-marias. 

Dez apelos que foram ouvidos.

Dez cervejas. 

Quais cervejas. Dez bagaços. 

Dez “fodass” de alívio.

Dez abraços. 

Dez beijos. Vinte beijos. Vinte mil milhões de beijos. 

Dez vidas mais preciosas que estatuetas de ouro.

Dez “obrigado”.

Dez almas. 

Dez. 

São dez homens que hoje vivem graças a um punhado de outros tantos. 

Foto: Igor Ramalho  

Foto: Igor Ramalho  

Esquadras 751 e 502, Força Aérea Portuguesa. Enormes. 

Mais uma vez.  

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Obrigado

11 de Novembro de 2014. Estava eu em Bruxelas. Feriado nacional. 

Tanto na Bélgica como numa série de países – da Austrália ao Canadá, do Reino Unido à Holanda – celebrava-se o chamado “Remembrance Day”. Fazia então precisamente 96 anos que à 11ª hora do 11º primeiro dia do 11º mês foi assinado o armistício que terminou com a primeira grande guerra. 

Na Bélgica, como em muitos outros países,  celebravam-se aqueles que tombaram em combate. Aqueles que deram a sua vida pelo seu país. E aqueles que sobreviveram. Os veteranos. 

É, como o próprio nome indica, o dia da lembrança. Para que nunca se esqueçam aqueles que fizeram o derradeiro dos sacrifícios.

E olhei para o meu país. 

CEP

Participámos igualmente na primeira grande guerra. O CEP – Corpo Expedicionário Português – sofreu mais de 7000 baixas, a pouco mais de 50 km de onde me encontrava. Em África, tanto em Angola como Moçambique lutámos igualmente, da maneira possível, de forma valorosa. 

Quem visse o estado deplorável do nosso cemitério nacional na Bélgica não o diria. Não entendo, nem concebo, uma nação que não respeita aqueles que por ela lutaram. Aqueles que por ela deram, literalmente, tudo. 

A distância temporal e geográfica tende a fazer desvanecer a memória de um povo. O desinteresse, o esquecimento, a inércia instalam-se. Sempre admirei a forma como os restantes povos europeus celebram, respeitam e lembram os seus mortos e veteranos sempre com uma imparcialidade e objectividade incrível. Não julgam as guerras. Não julgam as razões. Não julgam a política. Lembram, e apoiam, apenas aqueles que lutaram e estão, ou não, entre os vivos. 

Independentemente de todas as razões ideológicas ou políticas, existem ainda hoje em Portugal milhares de homens e mulheres que lutaram pela bandeira nacional. Por Portugal. E esses – tal como aqueles que tombaram faz 100, 500 ou 800 anos – merecem o meu profundo respeito. Fosse nos campos da Flandres ou na selva guineense deram o melhor da sua vida pelo seu país. 

O lema da Armada,  orgulhosamente presente em todos os navios, refere muito simplestemente “A Pátria honrai que a Pátria vos contempla”. 

Quer-se-me parecer que cada vez menos a Pátria “os contempla”. 

E a Pátria somos todos nós. Todos. E todos lhes temos uma dívida de gratidão.

Obrigado.

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Síndrome do Pingo Doce

Gelado. Está gelado lá fora. Um rápido olhar pela janela e nota-se que nem o Labrador ávido de liberdade que se encontra no jardim se atreve a dar dois passos de corrida. 

“Ah porra, esqueci-me do molho de tomate”.

Chaves na mão, porta fechada, elevador. Uma das vantagens de morar a uns escassos cinquenta metros de um Pingo Doce é poder corrigir quando a nossa memória nos atraiçoa. 

“Poupa tempo” dirão alguns. “Não é bem assim” afirmo eu. 

Um dos mandamentos que nos é incutido desde o início na aviação é o chamado “pensar à frente”. Devemos sempre pensar à frente da aeronave. Nunca no momento. Estar já a pensar a cinco, dez, vinte minutos do presente. O que vai acontecer, o que pode acontecer e como reagir. E com o tempo esse traço de carácter passa para outras actividades mundanas, sem que disso nos apercebamos. Como por exemplo... as filas do Pingo Doce. 

Devo confessar que me tornei bom nisso. Optimizar a escolha da fila das compras. Boa dica para o currículo, lembrei-me agora. Sai no automático, mas como se de um planeamento militar se tratasse. Ora aquela fila tem mais gente, mas é tudo malta nova só com cervejas na mão. Boa escolha. Aquela tem menos gente mas um empregado de restaurante que vai pedir facturas em separado. A evitar. A outra caixa tem um funcionário que é mais lento a passar as compras que eu a sair da cama. Nunca. E com este raciocínio instantâneo se escolhe a caixa do Pingo Doce. Simples.

Sim, porque isto de um tipo se esquecer do molho de tomate tem muito que se lhe diga. 

E tudo seria perfeito... se não fosse aquilo a que eu carinhosamente apelido de “Síndrome do Pingo Doce”.

pingodoce

Gosto de imaginar que, tal como os Gregos e os Romanos tinham um Deus para tudo, também hoje existe um Deus do “Pingo Doce”. Ou um Deus das lojas de conveniência, o que lhe quiserem chamar. Certamente muito em baixo na cadeia alimentar dos Deuses, mas Deus mesmo assim. Omnipresente. Todo poderoso. Misericordioso. O gajo que na faculdade dos Deuses tirou o curso de Antropologia mas estagiou no Lidl. 

Pois bem, não sei se serei eu que não estou a sacrificar bolachas Maria suficientes em sua honra ou não, mas tenho uma ligeira impressão que Ele não vai muito com a minha cara. 

É imediata e implacável a sua actuação. Mal escolho a caixa, encaixado na centena e meia de pessoas que se lembraram de ir ao Pingo Doce a meio das “Tardes da Júlia”, dá-se o desastre. Aquela caixa, onde eu depositei toda a minha fé, tem um problema. Acabam-se as moedas. É mudança de turno. Acabou-se o papel. O artigo não passa. O artigo seguinte também não passa. O cabrão do terceiro artigo também não passa. O cliente pede trinta e duas facturas diferentes. O artigo está mal codificado. A empregada ganha instantaneamente uma vontade incontrolável de perguntar como estão as onze netas da cliente, que, orgulhosamente, debita a biografia de todas elas. Mais um artigo que não passa. Alguém pede para ligar para outro alguém. Acabaram-se os sacos. E tudo isto enquanto eu, com uma lágrima a escorrer-me pelo rosto, olho para as caixas adjacentes. Elas, como que cruelmente, avançam firmemente, libertando os seus clientes da opressão a que estavam sujeitos. Eu? Eu sou o homem da máscara de ferro. Imóvel. A observar a liberdade por uma janela. Neste caso por uma porta automática. 

“Que te fiz eu oh Deus dos supermercados, para merecer esta sorte?”

E quando finalmente chega a minha vez sinto-me como Mandela no dia da sua libertação. Mais uma luta titânica que chega ao fim. Livre por fim! Livre! Pouso os meus artigos no tapete rolante. Um sorriso de dever cumprido esboça-se na minha face.

“Ah peço desculpa, vai fechar!”

Fodass. 

Acabei de matar um gatinho dentro de mim.

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Descolagem incerta

"Causarei o maior dano possível para que a TAP mude de opinião”

"Temos de desprezar quem nos despreza"

Estes são alguns exemplos de afirmações públicas que têm surgido recentemente sobre a TAP Portugal

É fatalista. É extremamente fatalista. A TAP existe, como sempre existiu nos últimos anos, não para ser transportadora aérea. Existe para ser alvo de críticas. De chacota. Um saco de boxe intelectual nos dias que correm. 

Estamos mal habituados neste cantinho à beira-mar. Queremos tudo. Queremos o impossível. Queremos o compromisso supremo. Exigimos.

O corolário de toda essa situação são os indivíduos que faz um ano defendiam, convictos e certos da sua posição, a privatização da transportadora aérea nacional. Um buraco negro de dinheiros públicos, disse-se. Agora, quando a sua gestão é finalmente privada, invocam o chamado interesse nacional (na prática interesse regional, grande diferença) quando a decisão não lhes convém ou agrada. 

Algo claro e simples: uma empresa quando é privada (e, até ver, a TAP é de gestão privada segundo o governo em funções) tem total liberdade na escolha da sua estratégia interna e de expansão. Seja ela boa ou má. Seja ela óptima ou péssima. Aos olhos de quem quer que seja. 

O mercado da aviação comercial é tão competitivo, mutável e exigente que uma adaptação constante é uma obrigatoriedade. É portanto normal que uma empresa queira usar os seus recursos finitos – as aeronaves – nas rotas mais rentáveis e menos dispendiosas em termos de operação. Ganhar dinheiro no fundo. Aumentar as receitas. Diminuir as despesas. Lucro. Aquele que, dizem, fugiu durante tanto tempo. 

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Toda esta indignação, e surpreendente apelo ao boicote, espanta ainda mais quando vem de quem apoia, e apoiou, concorrentes directas da TAP com subsídios que a transportadora aérea nacional nunca teve. Paradoxalmente um organismo do Estado financiou empresas concorrentes de uma empresa que pertenceu ao... Estado! 

Por cá queremos sempre que algo seja “carne e peixe”. 

É impossível. 

Não podemos exigir que uma empresa seja privada (e que portanto zele maioritariamente pelos seus próprios interesses de crescimento e lucro) e ao mesmo tempo cumpra os nosso propósitos. As nossas ambições ou estratégias pessoais. 

E não podemos querer que uma empresa seja pública (e consequentemente amarrada à incerta definição política do que é útil e aceitável) e ao mesmo tempo obtenha o lucro e optimização de uma empresa privada. E que não utilize dinheiro público, já agora.

Definamos de uma vez por todas aquilo que queremos. E aceitemos as consequências dessa decisão.

Mas não vamos exigir o impossível.

Quem sofre com isso não é só o Porto. Não é a TAP. 

Somos todo nós. 

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Fate is the hunter

Existem livros sobre aviação. Existem livros que são obras-primas. E de vez em quando existem livros que são ambos. 

Fate is the hunter é um deles. 

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Baseado na vida e carreira do autor - Ernest Gann - esta pequena amostra de génio literário vicia-nos a partir da primeira página. Não gosto de ficar "agarrado" a nada, mas este livro tinha a tendência de me obrigar a folhear mais e mais e mais. Cocaína literária. E Ernest era Pablo Escobar. 

Imperial. E obrigatório. 

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Os quatro magníficos

Vinte e um.

“Que bando de gajos que para aqui vai”. 

Éramos vinte e um no meu curso da Força Aérea e quem olhasse para nós naquele tempo com certeza que teria dúvidas que aquele ajuntamento de gajos, de cabelo rapado e olhar incerto, daria origem a punhado de competentes pilotos militares. 

Foto: J. Parracho (Marinha Portuguesa)

Foto: J. Parracho (Marinha Portuguesa)

Após a aquisição dos helicópteros LYNX pela Marinha (e façamos um aparte para fazer uma vénia a essa grande máquina) esse ramo viu-se obrigado a formar os seus próprios pilotos. A opção lógica, claro, passava pela formação na Força Aérea Portuguesa. 

É assim que, após a nossa recruta na OTA, conhecemos pela primeira vez os quatro oficiais da Marinha que vão integrar o nosso curso. Afinal éramos vinte e um... mais quatro.

Oficiais de carreira provenientes da Escola Naval, foram que como atirados aos lobos para um grupo de “putos” sem qualquer experiência militar.  Imagino o que não lhes deverá ter passado pela cabeça. Certamente um expressivo “fodass”! Não é por acaso que o nome do meu curso é "Infernais". Podia muito bem ter sido "Bandidos" ou "Índios" tal era a quantidade de... chamemos-lhe irreverência, que demonstrávamos. 

Ao longo de mais dois anos aqueles quatro elementos foram o nosso enquadramento. Pela Ota, pelos “horrores” da Esquadra 101 e mais tarde pela Esquadra 552, todos nós ficámos com a sensação que aqueles quatro marmotas – e sim, podem ser porreiros mas continuam marmotas! – eram umas máquinas do caraças. E como tal todos lhe temos uma dívida de gratidão. 

Pelo enquadramento. Pela paciência. Pelos raspanetes. Pela camaradagem. Pela ajuda. Pela ponte que foram com os oficiais mais antigos. Pela... amizade. Essa que ainda dura e durará para sempre.

É estranho pensar que provavelmente o factor de maior sucesso de um curso da Força Aérea tenha sido... elementos da Marinha. Justiça seja feita: é a verdade. 

Éramos vinte e um. Acabámos quinze. Mas sem aqueles quatro, seríamos menos. 

Merecem todas as rodadas que lhes conseguirmos pagar. E eles que não me oiçam dizer isto, senão metade do meu ordenado irá acabar nos cofres da Super Bock!

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Pilecki

Fez em Janeiro setenta anos da libertação de Auschwitz. Setenta anos da libertação de um campo que representou a pior face na natureza humana. 

E mesmo assim, no Inferno, existem heróis. Um deles – pouco conhecido – chama-se Witold Pilecki.

pilecki

Capitão do exército polaco e um dos fundadores da resistência polaca, o Capitão Pilecki foi ao encontro de uma patrulha das SS em 1940 em Varsóvia, de forma intencional, e deixou-se capturar. O objectivo? Criar uma organização de resistência dentro do campo e relatar e escrever em relatório para as forças aliadas a realidade que se vivia em Auschwitz. Após a sua fuga do campo, em Abril de 1943, escreveu mais de 100 páginas sobre a crueldade vivida em Auschwitz. O primeiro relato, fidedigno, nas mãos dos aliados sobre a implementação da solução final. 

Capturado e morto pelo regime comunista polaco do pós-guerra, ignorado até à queda do muro de Berlim, o Capitão Witold Pilecki é hoje celebrado como um herói no seu país, Polónia. Mas ele não é apenas um herói polaco. É um herói de todos nós. Como Homens. Com H grande. Prova que a coragem, face ao inimaginável, existe. É palpável. E tem vários nomes.

E um deles é “Pilecki”.

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Existem dias bons

A vida operacional de um piloto militar não tem falta de aventura. Muito menos numa Esquadra de busca de salvamento. As missões reais são frequentes. As missão tácticas são uma emoção. As missões de treino são sempre – sempre! – diferentes. 

Difícil de superar. Mas às vezes acontece. Foi o caso do voo que fiz com o Ricardo. 

Foto: Força Aérea Portuguesa (c) Todos os direitos reservados

Foto: Força Aérea Portuguesa (c) Todos os direitos reservados

O Ricardo tem quase a minha idade. De facto podia ser eu. O nome até é o mesmo. Mas um dia a vida pregou-lhe uma partida: sofreu um acidente de viação grave que o deixou paraplégico. Para sempre dependente de uma fria e impessoal cadeira de rodas. No dia do seu acidente foi evacuado de helicóptero para a unidade hospitalar mais conveniente, e, provavelmente, deve a sua vida a esse voo. A sua mãe, ciente disso, contactou a Força Aérea inquirindo se seria possível o seu filho fazer um voo, talvez voltar a sentir aquela sensação de liberdade que a vida injustamente lhe roubou.  

A Força Aérea Portuguesa tem muitas maneiras de deixar um tipo fulo. Frustrado. Fora de si com a pesada máquina burocrática que por vezes existe. Mas também nos é capaz de encher de orgulho como instituição. E este foi um dos casos. A Força Aérea disse que sim.

E tenho o Ricardo à minha frente. 

Falamos todos. Eu, ele, a mãe e toda a tripulação. Aprendemos um pouco sobre a sua vida e sua luta herculeana. Quem me dera a mim ter um décimo da coragem e força de vontade que o Ricardo tem. Qual um décimo! Quem me ter um centésimo da sua força de viver!

É apresentado um pequeno briefing com a história da Esquadra e procedimentos de segurança. Discutimos um pouco sobre voo. Aproveitando um voo de treino regular da Esquadra, iremos levar o Ricardo por algumas manobras de contacto à vertical da Base Aérea do Montijo. Voo baixo, voltas apertadas, rotações, um pouco de “táctico” enfim... tudo aquilo que um helicóptero pode fazer e que é invejado por todas as outras máquinas voadoras. E sempre de porta aberta. Sempre. Para sentir o vento como só os pássaros sentem. O pináculo da sensação de voar. 

E assim foi. Descolamos e iniciamos o nosso perfil. Sempre com o cuidado de saber se o Ricardo está a gostar. Após o voo convivemos no bar da Esquadra. A nossa “toca” que tem mais história – e estórias! – naquelas paredes que todos os livros de Saramago e Lobo Antunes juntos. 

Aquele foi um dia especial. Não só porque o Ricardo voou connosco. Mas porque tive a honra de, naquele voo, fazer a minha milionésima hora de voo em helicópteros. Mil horas porra! As primeira mil. Não me consigo lembrar de um melhor voo para celebrar este marco. Até tenho uma pequena garrafa de champanhe, oferecida por um bom amigo, religiosamente guardada no meu gabinete para celebrar este facto. 

Ele há dias de merda. Dias em que um gajo vai para casa farto. Saturado. Cansado. Em que qualquer contacto humano é como enfrentar a inquisição espanhola. Mas ele há dias bons. 

E este é um dia bom. 

O Ricardo pode ir para casa com um sorriso nos lábios. Eu também. Mas o meu? O meu é bem maior…

Obrigado Ricardo. 

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Au revoir 747!

A homenagem perfeita para o primeiro gigante dos ares. 

A fabulosa despedida da Air France e da Patrouille de France ao Boeing 747 ao serviço daquela companhia aérea. 

Au revoir!

Le 27 janvier au dessus de la Camargue, douze avions, fleurons de l'aéronautique française, se donnaient rendez-vous : onze Alphajet de la Patrouille de France et le dernier Boeing 747 d'Air France. Crédits : Airborne Films pour Air France et l'Armée de l'Air et la Patrouille de France http://www.airfrance.com/ #AF747

E o carro?

Segunda-feira é sempre aquele dia cruel. “A pior invenção da humanidade”, dizem os olhos de todos aqueles com quem me cruzo. Lá fora a chuva cai de forma intensa, e mais intensamente caiu durante o fim de semana. Noé estaria como peixe na água. Está montado o cenário. Segunda-feira. Dia 01 de Abril de 2013. Mais um dia das mentiras. Mais um dia alerta. 

Ribeira? Isto é um rio!

Ribeira? Isto é um rio!

A rotina é a mesma de um dia normal. Com aquela pequena – grande! – diferença de sentir uma ligeira ansiedade sempre que o telefone toca. E claro, ele tocou. 

ALERTAAAAA”, alguém berra pelos corredores da Esquadra. É pavloviano. Eu, e o meu co-piloto, estamos nas operações em dois segundos. Um vai anotando as coordenadas num papel e outro abre o Google Earth para uma confirmação muito rápida da zona de operação aproximada. 

“Epah, esta merda não deve estar bem”, digo. 

A porra da coordenada não estava no Atlântico. Nem mesmo ali numa escarpa, fosse onde fosse na costa portuguesa. Estava no meio do Alentejo. Sim. No meio do Alentejo. 

“Que raio?” 

Telefone na mão e chamada directa para o Comando Aéreo (CA).

“Podem-me confirmar as coordenadas por favor?”

Bastaram trinta segundas para ficarmos a saber que as coordenadas estavam correctas. Durante as chuvadas do fim de semana várias ribeiras e ribeiros transbordaram por completo, um pouco por todo o país. Ali, para os lados do Torrão, um condutor distraído (lá no fundo eu quero mesmo dizer negligente) ignorou a barreira montada pela Protecção Civil e decidiu tentar atravessar aquela estrada que, na prática, era agora um rio. Resultado lógico. Foi arrastado. 

“Esta vai ser uma estreia!”

A partir daí tudo corre em automático.
Coordenadas no bolso. Capacete e equipamento de emergência na mão. Helicóptero em marcha. Descolagem. Tudo isto em pouco mais de dez minutos. Já no ar, velocidade máxima, direcção sul. Entramos em contacto com o Comando Aéreo para obter actualizações. Não há novidades. Já se encontram no local algumas unidades dos bombeiros. 

O local exacto chama-se Ribeira de São Romão.  

“Ribeira o caraças!”, voicero quando chegamos às coordenadas. O que temos à nossa frente é um caudal de água quase tão largo como o rio Sado. Damos uma primeira volta e tentamos encontrar o tal carro arrastado. Nada. Só água. Tanto de um lado da margem como do outro são visíveis unidades dos bombeiros com as quais entramos em contacto. Ao iniciar a segunda volta alguém da tripulação expressa um decisivo “Está ali, às duas horas”. 

“Epah não vejo carro nenhum!”

“Carro? É uma cabeça!” 

O veículo estava completamente submerso. Ali, quase à nossa frente, estava uma cabeça, quase invisível, oculta pelo constante movimento da água ao seu redor. Era ele, o “nosso” condutor desesperado que se agarrava a algo como uma lapa se agarra a uma rocha. 

Volta rápida, pás a "bater", posicionamo-nos face ao vento e em trinta segundos estamos com os procedimentos feitos, porta aberta e o Recuperador Salvador pronto a descer. 

“Trinta em frente, dois à direita” .

O operador de guincho começa a guiar-me para o objectivo. Ao mesmo tempo o recuperador inicia a descida e o co-piloto mantém um olho à nossa altitude. Já o disse várias vezes. Digo-o mais uma: o trabalho de equipa aqui não é boa prática. É obrigatório. E que grande equipa tenho eu hoje. 

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O recuperador toca na água a menos de um metro do objectivo. 

“Contacto!”

Em menos de dois minutos o recuperador está novamente suspenso no cabo, desta vez com um muito valioso passageiro nos braços. Hesito em usar a palavra “náufrago” neste caso... será “arrastado” melhor? 

Recuperação feita e o enfermeiro da tripulação inicia o seu trabalho. Coordenamos com os bombeiros e aterramos ali mesmo, na margem, para deixar o nosso recente passageiro. Entrega feita e descolamos em direcção ao Montijo. 

Como é hábito, nesta altura iniciamos uma espécie de de-briefing informal. Todos os membros da tripulação falam entre si sobre o que acharam da operação, o que correu mal, o que correu bem, como podemos melhorar. E claro, curiosidades. E aí, o nosso recuperador salvador (militar experiente, instrutor, com um físico de fazer inveja ao Hulk) partilha connosco o breve diálogo que teve com o senhor: 

“Estava a ver que tinha de usar da força física...”

“Então?”

“Ele não se queria vir embora sem o carro!”

“Desculpa?”

“Não queria lá deixar o carro! Ainda perguntou se não o podíamos içar!”

Como a natureza humana é engraçada. Estamos à beira da morte. Exaustos. Em estado de Hipotermia. Mas o cabrão do carro é que não pode ficar ali. Não, o importante é o cabrão do carro!

“Pena não teres trazido a matrícula. Dava uma bela recordação!”

E se dava!  E se dava!

Deve ser Photoshop

"Deve ser Photoshop". Deve deve. Era isso que eu pensava sempre que via imagens das Maldivas. Que rica forma de promover um local, "falseando" as fotografias. 

Demasiado azul. Demasiado bela. Demasiado... perfeita. Um sítio assim não pode, não deve certamente, ser real. 

Mas é. E não é Photoshop. 

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(Para os puristas... há para aqui um toquezinho de snapseed!)

O meu amigo buraco

Ó velho amigo que regressas com saudade... gosto em ver-te! Tal como todos os bons amigos, regressas sem avisar, ano após ano, para me fazer uma surpresa. Estás sempre ali no mesmo sítio, no cruzamento à saída da minha casa.

Avenida Duque de Ávila com a estação da Carris, Arco do Cego, 1940.Eduardo Portugal, in Arquivo Fotográfico da C.M.L

Avenida Duque de Ávila com a estação da Carris, Arco do Cego, 1940.
Eduardo Portugal, in Arquivo Fotográfico da C.M.L

Os meus pneus tratam-te por “tu”. E iria jurar que já te vi com uma das minhas jantes a beber uma mini enquanto passava o Nacional-Benfica na Sport TV.

Impressionante esse teu ritual, digno do mundo animal – tal e qual hibernação – em que todos os anos, todos, teimas em aparecer sempre que caem as primeiras chuvas.

Penso que saibas que não sou engenheiro civil, muito menos engenheiro de estruturas. Não tenho experiência em planeamento urbanístico... e nunca trabalhei em construção civil. Mas arriscarei afirmar que voltas sempre, saudoso e contente, porque alguém não está a fazer o trabalho que devia.

Não me leves a mal. Gosto da tua companhia. Gosto de te apresentar com pompa e surpresa aos meus amigos. “Olha... ali está ele!”, digo com expressão efusiva no rosto. Admiro igualmente a forma como treinas as minhas aptidões automobilísticas, apanhando-me de surpresa naqueles finais de tarde em que regresso, cansado, ao meu pouso.

Mas como qualquer bom amigo, também tu meu caro buraco, por vezes me deixas zangado. Incapaz de conter um expressivo “Fodass” ou um surpreso “Mas que caralh....” que é seguido atentamente por aquele senhor de setenta e poucos, que da passadeira olha para dentro da minha viatura como quem olha para a jaula dos tigres. “Gente mal educada” pensará certamente.

Sim meu companheiro! A partir de hoje estamos de relações cortadas! E até que tu tenhas um entendimento com os teus amigos da Câmara Municipal de Lisboa, passarei a chamar-te, com a dignidade que a ocasião impõe, de “cabrão”.

Cabrão do buraco! 

ALEX

Os Açorianos encaram o mau tempo como um piloto encara a turbulência. Inevitável. Algo chato mas inerente à vida insular. Sem fuga possível. Habituados a ter as quatro estações do ano num só dia, o de hoje não havia de ser diferente. 

Alex. Que porra de nome para um furacão. 

Foto (c) Força Aérea Portuguesa

Foto (c) Força Aérea Portuguesa

Todos nós – pelo menos deste lado de cá da “banheira” – reagimos com, no mínimo, alguma indiferença. Mais uma tempestade. Certamente comum para o Atlântico central. Só as ocasionais reportagens televisivas nos fazem reflectir um pouco mais.

Quando servi na Esquadra 751 dizíamos entre nós, com orgulho e típico peito inflamado de aviador militar, que “quando mais ninguém voava nós íamos lá”. Rodas no ar. A enfrentar cruelmente os elementos com uma máquina que a cada rotação do rotor nos pedia furiosamente ar mais calmo. 

E no presente não haveria de ser diferente. Com orgulho, não, com muito orgulho, vejo que hoje, nos Açores, quando mais ninguém voa, eles estão lá. A voar. De ilha para ilha. Sem questionar. Sem hesitar. Sem por em causa que aquela, a mais nobre das missões, merece o melhor que cada um deles tem para dar. 

Gajos que, no preciso momento em que escrevo estas linhas, estão na ilha das Flores a aguardar a ordem para regressar com a mais preciosa das cargas: uma vida humana. 

É bom que não esqueçam isso. Quando um dia, por qualquer razão que seja, se lembrarem de os criticar – por serem militares, por serem os “chulos”, por serem uns “inúteis” – lembrem-se que quando um furacão chega, quando as barras marítimas fecham, quando os aviões ficam no chão, quando tudo está mesmo na merda... eles estão lá... 

...Eles estão lá.

E não pedem nada em troca. Não pedem, mas merecem

Nem que seja o nosso mais profundo respeito

Bom voo camaradas. 

(c) Esquadra 751

(c) Esquadra 751

(c) António Tavares

(c) António Tavares

Pilotos mimados

(Escrito a 28 Dezembro de 2014)

“Privilegiados! Nem mais um tostão para a TAP.” É engraçado como a história nos persegue. Na minha (curta) carreira de aviador passei de, passo a citar, “militar chulo do estado” para “piloto mimado da TAP”. Começo a pensar que, aos olhos dos meus compatriotas, escolhi a profissão errada. Ou então tenho mau carácter. Por mais dedicados que sejamos. Por mais sacrifícios que façamos. Por mais exigentes nos tornemos ou por mais profissionais que ambicionemos ser, seremos sempre um “chulo” ou um “privilegiado”. 

Fantástica foto de Carlos Seabra. Todos os direitos reservados. 

Fantástica foto de Carlos Seabra. Todos os direitos reservados. 

Em Portugal vivemos um determinado complexo de “(in)felicidade”. Se somos felizes naquilo que fazemos então não devemos estar a fazer o nosso trabalho. É, aliás, como se a palavra “infelicidade” fosse sinónimo de “trabalho” num qualquer dicionário de língua portuguesa. E se não formos infelizes algo está muito mal. 
Perdi conta às vezes que me disseram “pagam-te para te divertires”. “Efectivamente”, retorquia eu, “que culpa tenho eu de gostar do que faço?”. Ambicionei isso. Procurei-o. Era o meu sonho de criança. E lutei por ele. É, penso eu, aquilo que qualquer um de nós procura fazer.
Mas, como em tudo na vida, as pessoas esquecem-se sempre de todos os aspectos menos positivos. As madrugadas. A falta de rotina. O não ter horários. O treino constante. A avaliação permanente. A pressão subjacente. O requisito físico, e mental, obrigatório. E acima de tudo, a responsabilidade. Essa que é enorme. Seja ela a de ser a última esperança de sobrevivência de alguém, do meio do oceano, no meio de uma tempestade às três da manhã ou a de levar 150 almas em segurança ao seu destino. Mas tudo isso, pelos vistos, não interessa. Só interessa aquele fato de voo ou aquela farda tão elegante. 

A aviação ensina-nos e molda-nos um espírito de muitas formas. E uma das grande lições que nos transmite, que nos incute desde cedo, que nos fica gravado na alma é que devemos sempre nivelar por cima. Nunca por baixo. Devemos sempre procurar a excelência. Porque se não o fizermos, os resultados, nesta profissão, poderão ser desastrosos. E muita dessa mentalidade, desse espírito, se pode aplicar à Vida em geral. 

Não me identifico com esta tendência tão recente de alguns meus compatriotas de quererem nivelar por baixo. E de assumirem que, como profissional, não mereço mais do que “mimado” como adjectivo. 

Desculpem-me se sou feliz com o que faço. Mas isso não vai mudar. Nunca

Ceuta

(Escrito a 21 de Agosto de 2015)

Faz hoje - 21 de Agosto - 600 anos que um pequeno reino europeu encheu o peito de ar, vestiu uma armadura e com um punhado de tomates considerável atravessou o mar e foi conquistar Ceuta.

conquistaceuta

Esta data não é importante apenas porque representa o início daquilo a que nós designamos de Descobrimentos. E muito menos por ter sido uma conquista pelas armas. 

É importante porque nos relembra algo com 600 anos. E ter 600 anos de história é obra! E antes desses 600 ainda existiram quase outros 300. Já andamos por cá faz um tempo

É importante porque nos galvaniza com o facto de que uma pequena nação entalada entre o mar e um reino de onde nem sequer aparecem bons casamentos ser capaz de fazer coisas grandiosas. 

É importante porque nos recorda que um dia, nós, “nação valente e imortal”, fomos donos disto “tudo”, fruto apenas da coragem, inteligência e visão demonstrada na altura.

É importante porque nos deveria elucidar para o facto de Portugal ser mais que os últimos 30 anos. São quase 900! 900 anos em que sempre que foi preciso levantámos a voz e dissemos a quem quer que viesse para aqui arranjar confusão que a coisa ía dar para o torto!

É importante porque nos deveria motivar ao saber que somos feitos do mesmo material, do mesmo sangue, da mesma fibra dos gajos que há 600 anos se meteram nuns barcos e foram ali para sul dos Algarves fazer das suas e dar novos mundos aos mundos.

E se eles o conseguiram... nós, à nossa maneira, também o podemos fazer. 

Um pouco de orgulho nacional não fica mal a ninguém. E não, hoje não joga a selecção.

www.merlin37.com/ceuta

Defesa aérea

(Escrito a 31 de Outubro 2014)

“Mas o que é que vocês fazem na tropa?”. Perdi a conta às vezes que ouvi esta pergunta. 

E, como eu, estou certo que todos aqueles que lá Serviram se viram deparados numa altura ou outra, com comentários semelhantes. Pacientemente – coisa às vezes rara na minha pessoa – lá tentava explicar tudo aquilo que fazíamos. Ou parte. Ou nada . Às vezes limitava-me a beber mais um golo naquele Gin fresquinho. Não valia a pena. 

Foto: Força Aérea Portuguesa

Foto: Força Aérea Portuguesa

E estando na Força Aérea surgia, mais tarde ou mais cedo, um “porque é que Portugal precisa de F-16? É para vocês brincarem?”. 

Bem. Parece que esta semana já ninguém pergunta se querem brincar. 

Acordei com a música “Russians” de Sting na cabeça. As (muito) recentes notícias da presença de aeronaves russas nas zonas de responsabilidade portuguesa – e consequente intercepção pela Força Aérea Portuguesa das mesmas – veio como que acordar alguns compatriotas. Pondo de parte o excessivo mediatismo e alarmismo de algumas notícias, a utilidade de ter um sistema efectivo de defesa aérea deixou de estar em causa. Afinal não estamos naquele canto seguro da Europa. Afinal é possível entrar em espaço aéreo de responsabilidade nacional. Afinal convém ter malta treinada para isto. Daquela que custa muitos milhares a treinar. 

A efectiva ameaça militar destas incursões é baixa. Mas é representativa de como em geopolítica se joga um bom poker. Ou xadrez no caso russo, como dizia Kissinger. Portugal tem de definir politicamente – de uma vez por todas – qual a posição e qual a capacidade que queremos ter no mundo presente. Se queremos ser jogadores de xadrez, ou se queremos estar na plateia a contar os minutos. Em geopolítica não existem espaços vazios. Não existe o zero. O vazio. Se não formos nós a ocupar – e a defender – o nosso espaço alguém o fará por nós. Se não forem os nossos F-16 serão os F/A-18 espanhóis. Ou os EF2000 ingleses. E aí não faltariam aqueles que criticariam a nossa falta de capacidade. Os mesmos que provavelmente agora criticam o facto de ela existir. Paradoxo nacional.

Temos a maior zona de responsabilidade aérea – e naval – de toda a Europa. A nossa plataforma continental está prestes a tornar-se gigantesca. A nossa ZEE é imensa. E o que é nosso deverá ser defendido por nós. Com Homens. Com treino. Com equipamento. Esse que dizem que sai caro. No mar, no ar, ou em terra. 

Quando alguém me pergunta, indignado, “porque raio temos 2 submarinos?” eu geralmente respondo “Epah, também não entendo, devíamos ter quatro!”. 

E quatro era pouco. 

Auschwitz

“HALT/STOJ”. 


É isto que podemos encontrar cravado em diversos sinais espalhados por Auschwitz. Ironia. Ironia das mais puras. Como é que um campo desenhado com “exterminação” em mente se pode ver envolto em tanta regra comum. Em tanto formalismo. Em tanta ordem. Até quem pela morte espera o tem de fazer mediante um certo conjunto de regras sem sentido. A humilhação final. 

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Sempre quis visitar Auschwitz. Não por uma espécie de curiosidade mórbida mas por achar que é uma obrigação moral. Obrigação de não esquecer o pior que a nossa natureza (sub)humana produz. 

E Auschwitz 1, Auschwitz Birkenau ou qualquer outro campo semelhante tem locais, espaços e atitudes que nos fazem reflectir. 
Uma câmara de gás temporária, pouco maior que o meu apartamento onde 17.000 pessoas foram assassinadas. Como se um local assim se pudesse chamar de “temporário”. Facto que atesta à dimensão da demência.
Paredes repletas com fotografias das caras daqueles que um dia lá entraram mas de lá não saíram. Faces receosas, consumidas pelo medo. Mas também faces desafiantes como quem perante a barbárie a encara com coragem. Com verdadeiros tomates. 

Campos em que mais de 400.000 pessoas foram “sepultadas” como cinza ao vento. Ali, naquele chão, debaixo dos nossos pés, o maior cemitério do mundo. Sem campas, mas profundamente mais impactante do que qualquer catedral. Profundamente mais chocante. Profundamente mais memorável. 
Visitantes que, por vezes, não se apercebem que este não é um local turístico. Mas um local de memória. Daquela que é digna do nosso mais profundo e sentido respeito. 

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Mas não. Não é nada disto que mais choca em Auschewitz. Não mesmo a industrialização da Morte que aqui existiu. Elevada ao seu expoente máximo. A forma cruel, fria e metódica como era encarada a solução final. 

O que mais choca em Auschwitz é a sua actualidade. 

Rússia. China. Cambodja. Ex-Jugoslávia. Ruanda. Darfur e Sudão do Sul. Síria e Iraque. Tudo no espaço de uma geração.

Fodass”, é o que penso enquanto abandono o campo ao fim do dia, com o sol no horizonte. “Não aprendemos nada nestes últimos 70 anos.”

 

Merlin por uma última vez

O último voo numa aeronave é sempre marcante. Se esse voo for igualmente o último numa esquadra passa a memorável. Se for, também, o último numa instituição torna-se inesquecível. 

Comigo não seria diferente. EH-101. Esquadra 751. Força Aérea Portuguesa. 

A juntar a isso tudo, se alguém registar esse momento de forma fantástica, melhor ainda! 

Todos os direitos reservados a (c) Luís Maia.

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Homenagem

(Escrito em Janeiro de 2015)

Acabo de ver o filme “American Sniper”. Pondo de parte o presente “americanismo” a parte final do filme (início dos créditos) fez-me fazer um paralelismo com a realidade nacional. Na forma como nós, portugueses, honramos quem serviu o seu país. 
 

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Faz um anos, ainda era eu oficial da Força Aérea, fui nomeado para comandar um pelotão na guarda de honra em um funeral de um General que tinha falecido. Verdade seja dita, para nós, pilotos, este género de serviço eram tudo menos desejado. Queríamos voar, voar e voar. Os nossos treinos de ordem unida era tudo menos frequentes. Mas antes de pilotos éramos militares. E ainda bem que assim o é. 


No dia estabelecido lá estávamos. Dois pelotões, impecavelmente formados, à entrada do cemitério do Alto de São João. Na hora estabelecida – e estando a urna a escassos metros da entrada do cemitério – a polícia parou o trânsito e formámos na estrada para prestar a devida homenagem com três salvas de G-3. 
Qual não é o meu espanto quando um popular, sentado na paragem de autocarro mesmo ao lado da formatura, começa a vociferar a plenos pulmões a sua indignação. “É uma vergonha” dizia. “o que é que aquela pessoa tinha a mais que ele para estar aquilo ali montado”. “Estou à espera do autocarro e quero ir para casa”. Entre outros comentários bem menos agradáveis. 
É-me impossível de descrever a raiva que me invadiu naquele momento. Vinda do mais fundo do meu ser. Daquela que nos consome. Que nos faz morder o lábio. Mas a disciplina e a rigidez militar fez que não me mexesse. Que não abrisse a boca. Nem eu nem nenhum dos militares ao meu lado. E prestámos a nossa homenagem. Não demorou mais do que três minutos. Três minutos que alguém não estava disposto a abrir mão como sinal de respeito a alguém que serviu o seu país durante mais de 40 anos. Alguém que lutou pela sua Pátria. Alguém que viveu em combate em meu nome, em nome de todos nós, em nome da nação. 

A forma como tratamos quem nos serve a todos, como país, adefine-nos como povo. Militares, polícias, bombeiros, são tantas vezes injustamente acusados em praça pública. São os chulos. Os que nos “roubam o dinheiro dos impostos”. Quando na realidade estão lá, no duro, todos os dias, dispostos a dar o melhor de si por todos nós. E mesmo que esse respeito não existisse em vida, ao menos que existisse na hora da partida...

Vejo o final do filme. Aquela homenagem nunca seria possível no meu país. E relembro aquele momento de há anos. Baixo a cara. Desta vez não de raiva. Mas de vergonha.