O mais longo dos dias

“Borrado de medo!”

Foi a resposta que um veterano da Segunda Guerra Mundial deu quando lhe perguntaram como se tinha sentido naquele dia, o mais importante dos Dias, no longínquo mês de Junho de 1944.

“Mas era o meu trabalho. Alguém tinha de o fazer.”

O barulho dos motores abafava todos os outros sons. Era de noite e aquele som soava a tortura. Por entre aquelas pequenas janelas naquele tubo de alumínio a que chamavam avião, iam ficando cada vez mais fortes uns irrequietos clarões de luz. Não tardou muito para que com cada clarão viesse um pouco de turbulência. Cada vez mais forte. Como um tambor que se vai aproximando.

“Os cabrões estão a disparar sobre nós!”

Agora, passados apenas dez minutos, o barulho dos motores como que tinha desaparecido. Era a mais silenciosa sinfonia que se ouvia, lá ao fundo, abafada, mas constante, entre explosões e berros do líder de secção que se esforçava para se fazer ouvir. 

E acendeu-se aquela luz verde. Aquela luz que todos os Paraquedistas aguardam. Aquela luz que lhes alimenta a ansiedade.

A luz que lhes permite abandonar aquele casulo de aço.

E assim, naquela noite que mais parecia dia, saltou de um avião com um paraquedas às costas. Isso e mais trinta quilos de equipamento. Como ele, vários milhares de outros militares saltaram – americanos, britânicos, canadianos. Todos eles, e os milhares que aguardavam ao largo da costa francesa, tinham apenas uma certeza: que provavelmente não chegariam com vida ao fim daquele dia. Muitos não chegaram.

Era madrugada do dia 6. Dia D

Faz hoje setenta e dois anos. 

Setenta e dois anos em que uma geração de Homens provou que a Coragem pode vencer a Tirania.

Happy D-Day.

dday

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Auschwitz

“HALT/STOJ”. 


É isto que podemos encontrar cravado em diversos sinais espalhados por Auschwitz. Ironia. Ironia das mais puras. Como é que um campo desenhado com “exterminação” em mente se pode ver envolto em tanta regra comum. Em tanto formalismo. Em tanta ordem. Até quem pela morte espera o tem de fazer mediante um certo conjunto de regras sem sentido. A humilhação final. 

Auschewitz01

Sempre quis visitar Auschwitz. Não por uma espécie de curiosidade mórbida mas por achar que é uma obrigação moral. Obrigação de não esquecer o pior que a nossa natureza (sub)humana produz. 

E Auschwitz 1, Auschwitz Birkenau ou qualquer outro campo semelhante tem locais, espaços e atitudes que nos fazem reflectir. 
Uma câmara de gás temporária, pouco maior que o meu apartamento onde 17.000 pessoas foram assassinadas. Como se um local assim se pudesse chamar de “temporário”. Facto que atesta à dimensão da demência.
Paredes repletas com fotografias das caras daqueles que um dia lá entraram mas de lá não saíram. Faces receosas, consumidas pelo medo. Mas também faces desafiantes como quem perante a barbárie a encara com coragem. Com verdadeiros tomates. 

Campos em que mais de 400.000 pessoas foram “sepultadas” como cinza ao vento. Ali, naquele chão, debaixo dos nossos pés, o maior cemitério do mundo. Sem campas, mas profundamente mais impactante do que qualquer catedral. Profundamente mais chocante. Profundamente mais memorável. 
Visitantes que, por vezes, não se apercebem que este não é um local turístico. Mas um local de memória. Daquela que é digna do nosso mais profundo e sentido respeito. 

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Mas não. Não é nada disto que mais choca em Auschewitz. Não mesmo a industrialização da Morte que aqui existiu. Elevada ao seu expoente máximo. A forma cruel, fria e metódica como era encarada a solução final. 

O que mais choca em Auschwitz é a sua actualidade. 

Rússia. China. Cambodja. Ex-Jugoslávia. Ruanda. Darfur e Sudão do Sul. Síria e Iraque. Tudo no espaço de uma geração.

Fodass”, é o que penso enquanto abandono o campo ao fim do dia, com o sol no horizonte. “Não aprendemos nada nestes últimos 70 anos.”