Pilecki

Fez em Janeiro setenta anos da libertação de Auschwitz. Setenta anos da libertação de um campo que representou a pior face na natureza humana. 

E mesmo assim, no Inferno, existem heróis. Um deles – pouco conhecido – chama-se Witold Pilecki.

pilecki

Capitão do exército polaco e um dos fundadores da resistência polaca, o Capitão Pilecki foi ao encontro de uma patrulha das SS em 1940 em Varsóvia, de forma intencional, e deixou-se capturar. O objectivo? Criar uma organização de resistência dentro do campo e relatar e escrever em relatório para as forças aliadas a realidade que se vivia em Auschwitz. Após a sua fuga do campo, em Abril de 1943, escreveu mais de 100 páginas sobre a crueldade vivida em Auschwitz. O primeiro relato, fidedigno, nas mãos dos aliados sobre a implementação da solução final. 

Capturado e morto pelo regime comunista polaco do pós-guerra, ignorado até à queda do muro de Berlim, o Capitão Witold Pilecki é hoje celebrado como um herói no seu país, Polónia. Mas ele não é apenas um herói polaco. É um herói de todos nós. Como Homens. Com H grande. Prova que a coragem, face ao inimaginável, existe. É palpável. E tem vários nomes.

E um deles é “Pilecki”.

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Auschwitz

“HALT/STOJ”. 


É isto que podemos encontrar cravado em diversos sinais espalhados por Auschwitz. Ironia. Ironia das mais puras. Como é que um campo desenhado com “exterminação” em mente se pode ver envolto em tanta regra comum. Em tanto formalismo. Em tanta ordem. Até quem pela morte espera o tem de fazer mediante um certo conjunto de regras sem sentido. A humilhação final. 

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Sempre quis visitar Auschwitz. Não por uma espécie de curiosidade mórbida mas por achar que é uma obrigação moral. Obrigação de não esquecer o pior que a nossa natureza (sub)humana produz. 

E Auschwitz 1, Auschwitz Birkenau ou qualquer outro campo semelhante tem locais, espaços e atitudes que nos fazem reflectir. 
Uma câmara de gás temporária, pouco maior que o meu apartamento onde 17.000 pessoas foram assassinadas. Como se um local assim se pudesse chamar de “temporário”. Facto que atesta à dimensão da demência.
Paredes repletas com fotografias das caras daqueles que um dia lá entraram mas de lá não saíram. Faces receosas, consumidas pelo medo. Mas também faces desafiantes como quem perante a barbárie a encara com coragem. Com verdadeiros tomates. 

Campos em que mais de 400.000 pessoas foram “sepultadas” como cinza ao vento. Ali, naquele chão, debaixo dos nossos pés, o maior cemitério do mundo. Sem campas, mas profundamente mais impactante do que qualquer catedral. Profundamente mais chocante. Profundamente mais memorável. 
Visitantes que, por vezes, não se apercebem que este não é um local turístico. Mas um local de memória. Daquela que é digna do nosso mais profundo e sentido respeito. 

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Mas não. Não é nada disto que mais choca em Auschewitz. Não mesmo a industrialização da Morte que aqui existiu. Elevada ao seu expoente máximo. A forma cruel, fria e metódica como era encarada a solução final. 

O que mais choca em Auschwitz é a sua actualidade. 

Rússia. China. Cambodja. Ex-Jugoslávia. Ruanda. Darfur e Sudão do Sul. Síria e Iraque. Tudo no espaço de uma geração.

Fodass”, é o que penso enquanto abandono o campo ao fim do dia, com o sol no horizonte. “Não aprendemos nada nestes últimos 70 anos.”