O gajo que os tinha no sítio

Surpresa e confusão. Eram esses os sentimentos com que eu reagia quando lia algumas das condecorações atribuídas pela presidência da república. Ficava sempre com aquela estranha sensação de injustiça que nos consome lentamente e nos ocupa a mente durante horas. 

“Haveria certamente gajos mais merecedores de tais distinções”, pensava. Massificaram-se. Amigos, conhecidos, “tradição” ou aliados políticos passaram a ser justificações – se bem que privadas – para atribuir tais condecorações. Perdiam o seu valor aos poucos e poucos. 

Hoje, quarenta e dois anos após o 25 de Abril e vinte e quatro anos após a sua morte, quebrou-se uma dessas injustiças: Salgueiro Maia irá ser condecorado a título póstumo com a Ordem do Infante D. Henrique. 

Demorou porra. 

E ao contrário da grande maioria, a minha admiração por aquele Capitão não é originária na sua actuação naquele longo dia de Abril. Já tudo se disse sobre ele. Sobre a sua resiliência. Sobre a sua coragem. Sobre a sua liderança.

Salgueiro Maia pela lente de Alfredo Cunha (c) 

Salgueiro Maia pela lente de Alfredo Cunha (c) 

Não. 

Aquilo que mais admiro em Salgueiro foi a sua vida após a revolução. A sua humildade.

Enquanto uns se apoderavam desse dia, enquanto se enchiam de louros, títulos e de moralidade falsa. Enquanto, de facto, se tornavam e diziam donos de Abril, Salgueiro Maia foi fiel a si mesmo. Fez o que fez sem pedir nada em troca. Sem pedir um cargo. Sem tirar nenhum proveito. Fê-lo, acredito, pelas suas convicções. Pela sua personalidade e pela sua inteligência. Isso sim, diz-nos muito sobre a personalidade e carácter do homem. Morreu "sozinho": afastado da memória nacional.

Não basta andar com um cravo na lapela. Não chega fazer discursos bonitos e olhar para o lado quando não interessa. De uma ponta a outra do hemiciclo parlamentar,  aqueles que lá se sentam deviam olhar com admiração para aquele Capitão. Deviam tentar emular a sua força de vontade, dedicação e convicção. Mas tenho sérias dúvidas que o façam.

Demorou quarenta dois anos. Mas fez-se justiça

Ele era o gajo que os tinha no sítio. Não por aquele dia. Mas pelo que veio depois. 

Tomara eu que houvessem mais. 

www.merlin37.com/salgueiromaia

Valentes e Imortais

O calor era infernal. Tórrido. Quase insuportável. Estamos em finais de 1540 e desembarcam quatrocentos portugueses na costa da Etiópia. Todos eles voluntários. Provavelmente nunca tinham visto deserto nas suas vidas.

Naquela que será porventura uma das menos conhecidas campanhas portuguesas, estes homens comandados por Cristóvão da Gama (filho mais novo de Vasco da Gama) respondiam a um pedido de auxílio do reino de Preste João (na realidade o império cristão da Etiópia governado por Dawit II) invadido por forças muçulmanas.

Quatrocentos portugueses que em duas batalhas derrotaram um inimigo muitíssimo superior. Imagino os tomates necessários para manter pé firme com uma armadura mais quente e pesada que um pequeno forno. A força falhou na terceira batalha tendo os lusos sido derrotados. Gama perdeu a cabeça. Literalmente, decapitado. No entanto os cem sobreviventes juntariam-se ao exército local e, finalmente em 1543, expulsariam o exército invasor. 

Quatrocentos portugueses. Um quatro seguido de dois zeros. Quatrocentos tipos provenientes de um rectângulo ali no fundo da Europa mas que valiam por quarenta mil. 

A nossa história está repleta de episódios semelhantes. Episódios onde uma mão cheia de portugueses – com muita sorte, engenho e coragem à mistura – se fizeram valer por muitos mais... 

Portugal.

portugal

Somos o país de Viriato e de Afonso Henriques. O país de D. João II e de D. Manuel. 

Somos o país de Henrique o navegador, de Vasco da Gama e de Pedro Álvares Cabral. O país de Afonso de Albuquerque e Nuno Álvares Pereira.

Somos o país de Fernão Mendes Pinto. O país de Damião Góis e Gil Vicente.

Somos o país de Camões. De Eça. De Saramago e Lobo Antunes. O país de Fernando Pessoa e Almeida Garrett. 

Somos o país de Egas Moniz e António Vieira. O país de António Damásio e Pedro Nunes. 

Somos o país de Nuno Gonçalves e Paula Rego. 

Somos o país de Carlos Lopes, Mourinho, Eusébio e Ronaldo. O país de Amália e Carlos Paredes. 

Somos o país de Siza e Souto de Moura. 

Somos o país de Sacadura Cabral e Gago Coutinho.

Somos o país de Aristides de Sousa Mendes. 

Somos o país de Bocage. Ou como diria o próprio, “o país de Bocage caralho”!

 

E como estes existem centenas... milhares de tantos outros. 

Exemplos e inspirações pela positiva. Como também os há pela negativa é certo. 

Mas não nos faltam razões para ter orgulho pois não? 

Não.

Não falta

www.merlin37.com/valenteseimortais

Isso me envaidece

“GOLLOOOGOLOOOOO! INCHEM, FODASS!!!”, gritava eu a plenos pulmões enquanto saltava da cadeira, de punhos fechados a bater na mesa. 

O Benfica acabava de marcar o primeiro golo.

À minha volta, incrédulos, um punhado de espanhóis, letões e claro uma mão cheia de alemães. Não sou muito subtil a ver jogos do Benfica e esta rapaziada estava a descobrir isso. Todos com olhar curioso e algo reprovador na minha direcção. Ali estava eu, sozinho, a gritar,  a saltar e a praguejar, admito, em português. Estou em Riga, capital da Letónia. Mais concretamente num bar irlandês (nunca falha, transmitem sempre os jogos da Liga dos Campeões).  As paredes, em tom creme, sujas e repletas de quadros, como que abafam os meus berros. A empregada olha para mim como quem olha para um cão vadio. Um gajo aos berros, o único de facto, no meio de um bar cheio de gente. 

E não era para menos. O meu Benfica marcara um golo. Ali, naquela cidade báltica, não me sentia abandonado. Gritava por sessenta e cinco mil. Não! Gritava por seis milhões! 

“INCHEM CABRÕES!!!” 

O tenor de ópera lá do nosso estabelecimento. Foto: Sport Lisboa e Benfica (c)

O tenor de ópera lá do nosso estabelecimento. Foto: Sport Lisboa e Benfica (c)

No final do jogo a história era diferente. Já não me encontrava tão eufórico. Era um empate. Um cruel 2-2 que eliminava o Benfica da competição. Já não iríamos competir pelo título de melhor da Europa. Mas saíamos de cabeça erguida e peito feito. Em mim, naquele bar, naquela cidade fria, ao invés de tristeza crescia um sentimento de Orgulho

“Orgulho?” perguntarão. Sim. Orgulho.

Orgulho pela forma como se bateram e acreditaram. Como tacticamente enfrentaram aquele comboio bávaro com maquinista espanhol. Orgulho por fazê-lo sem todo o nosso ataque titular. Todos eles lesionados ou castigados. Orgulho pela forma como encarámos todos aqueles que disseram que seria uma goleada. Orgulho pelo Rui Vitória. Que com toda a classe, paciência e profissionalismo provou a todos – benfiquistas incluídos – que é um Campeão.  Orgulho por aqueles adeptos. Quando o apito soou ali estavam eles, cachecóis em punho a gritar “Benfica”. Um dos mais fantásticos finais de jogo de sempre. E perdemos a eliminatória. Imagino se tivéssemos ganho. 

E orgulho...pelo sentimento de frustração. 

Sim. Isso mesmo. Orgulho pelo sentimento de frustração. Esse sentimento que me consumia e fazia beber cada golo de cerveja desconfiado, com os olhos naqueles bávaros na mesa lá do fundo. Porque isso significa que encarávamos o jogo de igual para igual. Ali, a jogar naquele estádio, não estava o temível Bayern Munique. Não.  Estava um outro qualquer clube, que não o nosso, que vinha jogar à Luz. E como tal iria ter de sofrer para levar dali uma vitória. Sofreu. E não a levou. Levou um empate. A prova que o nosso lugar é ali: nos melhores da Europa. 

Raramente falo de futebol. E muito menos fico contente quando a minha equipa sai derrotada. Mas hoje foi diferente. 

Hoje gritei a alto e a bom som: “Sou do Benfica!”

E isso me envaidece!

www.merlin37.com/envaidece

Brasil, o polvo e o povo

Dizem que nós, os portugueses, somos um povo de brandos costumes. Que somos demasiado calmos. Que,  de forma evidente, relativizamos tudo e todos.

Furámos um pneu. “Ainda bem que não foi na auto-estrada.”

Partimos uma perna. “Podia ser pior, podiam ter sido as duas!”

Está a chover, a casa está inundada, a roupa molhada e a mulher não para de nos gritar ao ouvido. O cão perdeu-se e chegou mais uma carta das finanças. A nossa filha começou a namorar com o vizinho do 3º esquerdo. “Podia ser pior, podia ter acabado a cerveja!”

Há sempre algo, alguém ou alguma coisa implacavelmente pior. 

E dou por mim a pensar... Será que quando o nosso ex primeiro-ministro, José Sócrates, se viu a mãos com a justiça por indícios de corrupção, alguém terá pensado “Bem, podia ter sido pior. Podíamos ter tido o Lula ou a Dilma”? 

Foto: (c) Jornal "O Público"

Foto: (c) Jornal "O Público"

Certamente que sim. Há sempre alguém. E assim, por fim, finalmente bateria certo. 

O jornal “O Globo” abre hoje primeira página com a aparente aceitação por Lula da Silva de uma posição para ministro no governo brasileiro, a convite de Dilma Rousseff. Esta nomeação, com um timing estranhamente perfeito, permitiria a Lula obter a imunidade judicial que este cargo confere. Curioso. Especialmente tendo sido preso na semana passada. 

Não me interpretem mal amigos Brasileiros. Aqui deste lado do “lago” não estamos bem. Longe, muito longe disso. Como bem atesta a polémica das subvenções vitalícias ou a recente contratação por parte de uma empresa britânica da ex ministra das finanças deste pequeno rectângulo. Mas lá está. Podia ser pior. Podíamos ter um Lula ou uma Dilma. 

Propagou-se nos últimos anos uma canção popular em Portugal que, no seu âmago, se resumia a uma palavra de apelo ao povo. “Acordai”, dizia. Mas se nós portugueses estávamos com sono, vocês, meus irmãos da “ordem e progresso”, estão próximos do coma profundo.

Se Lula for mesmo nomeado ministro, peço-vos que, por tudo aquilo que o Brasil é e acima de tudo por tudo aquilo que poderá ser, que venham mais uma vez para a rua. Que lutem. Que digam “não!”, “acabou!", “chega!”.

Já chega porra. 

E os meus compatriotas portugueses que se desenganem. Há pior, sim. Mas estamos no mesmo rumo. Barco diferente. Mas mesma rota.  

O Brasil pode já estar a afundar, mas nós também já embatemos no Iceberg. 

E água não está fria. 

Está gelada. 

Acordai.

www.merlin37.com/brasileopolvo

Obrigado

11 de Novembro de 2014. Estava eu em Bruxelas. Feriado nacional. 

Tanto na Bélgica como numa série de países – da Austrália ao Canadá, do Reino Unido à Holanda – celebrava-se o chamado “Remembrance Day”. Fazia então precisamente 96 anos que à 11ª hora do 11º primeiro dia do 11º mês foi assinado o armistício que terminou com a primeira grande guerra. 

Na Bélgica, como em muitos outros países,  celebravam-se aqueles que tombaram em combate. Aqueles que deram a sua vida pelo seu país. E aqueles que sobreviveram. Os veteranos. 

É, como o próprio nome indica, o dia da lembrança. Para que nunca se esqueçam aqueles que fizeram o derradeiro dos sacrifícios.

E olhei para o meu país. 

CEP

Participámos igualmente na primeira grande guerra. O CEP – Corpo Expedicionário Português – sofreu mais de 7000 baixas, a pouco mais de 50 km de onde me encontrava. Em África, tanto em Angola como Moçambique lutámos igualmente, da maneira possível, de forma valorosa. 

Quem visse o estado deplorável do nosso cemitério nacional na Bélgica não o diria. Não entendo, nem concebo, uma nação que não respeita aqueles que por ela lutaram. Aqueles que por ela deram, literalmente, tudo. 

A distância temporal e geográfica tende a fazer desvanecer a memória de um povo. O desinteresse, o esquecimento, a inércia instalam-se. Sempre admirei a forma como os restantes povos europeus celebram, respeitam e lembram os seus mortos e veteranos sempre com uma imparcialidade e objectividade incrível. Não julgam as guerras. Não julgam as razões. Não julgam a política. Lembram, e apoiam, apenas aqueles que lutaram e estão, ou não, entre os vivos. 

Independentemente de todas as razões ideológicas ou políticas, existem ainda hoje em Portugal milhares de homens e mulheres que lutaram pela bandeira nacional. Por Portugal. E esses – tal como aqueles que tombaram faz 100, 500 ou 800 anos – merecem o meu profundo respeito. Fosse nos campos da Flandres ou na selva guineense deram o melhor da sua vida pelo seu país. 

O lema da Armada,  orgulhosamente presente em todos os navios, refere muito simplestemente “A Pátria honrai que a Pátria vos contempla”. 

Quer-se-me parecer que cada vez menos a Pátria “os contempla”. 

E a Pátria somos todos nós. Todos. E todos lhes temos uma dívida de gratidão.

Obrigado.

www.merlin37.com/obrigado

Síndrome do Pingo Doce

Gelado. Está gelado lá fora. Um rápido olhar pela janela e nota-se que nem o Labrador ávido de liberdade que se encontra no jardim se atreve a dar dois passos de corrida. 

“Ah porra, esqueci-me do molho de tomate”.

Chaves na mão, porta fechada, elevador. Uma das vantagens de morar a uns escassos cinquenta metros de um Pingo Doce é poder corrigir quando a nossa memória nos atraiçoa. 

“Poupa tempo” dirão alguns. “Não é bem assim” afirmo eu. 

Um dos mandamentos que nos é incutido desde o início na aviação é o chamado “pensar à frente”. Devemos sempre pensar à frente da aeronave. Nunca no momento. Estar já a pensar a cinco, dez, vinte minutos do presente. O que vai acontecer, o que pode acontecer e como reagir. E com o tempo esse traço de carácter passa para outras actividades mundanas, sem que disso nos apercebamos. Como por exemplo... as filas do Pingo Doce. 

Devo confessar que me tornei bom nisso. Optimizar a escolha da fila das compras. Boa dica para o currículo, lembrei-me agora. Sai no automático, mas como se de um planeamento militar se tratasse. Ora aquela fila tem mais gente, mas é tudo malta nova só com cervejas na mão. Boa escolha. Aquela tem menos gente mas um empregado de restaurante que vai pedir facturas em separado. A evitar. A outra caixa tem um funcionário que é mais lento a passar as compras que eu a sair da cama. Nunca. E com este raciocínio instantâneo se escolhe a caixa do Pingo Doce. Simples.

Sim, porque isto de um tipo se esquecer do molho de tomate tem muito que se lhe diga. 

E tudo seria perfeito... se não fosse aquilo a que eu carinhosamente apelido de “Síndrome do Pingo Doce”.

pingodoce

Gosto de imaginar que, tal como os Gregos e os Romanos tinham um Deus para tudo, também hoje existe um Deus do “Pingo Doce”. Ou um Deus das lojas de conveniência, o que lhe quiserem chamar. Certamente muito em baixo na cadeia alimentar dos Deuses, mas Deus mesmo assim. Omnipresente. Todo poderoso. Misericordioso. O gajo que na faculdade dos Deuses tirou o curso de Antropologia mas estagiou no Lidl. 

Pois bem, não sei se serei eu que não estou a sacrificar bolachas Maria suficientes em sua honra ou não, mas tenho uma ligeira impressão que Ele não vai muito com a minha cara. 

É imediata e implacável a sua actuação. Mal escolho a caixa, encaixado na centena e meia de pessoas que se lembraram de ir ao Pingo Doce a meio das “Tardes da Júlia”, dá-se o desastre. Aquela caixa, onde eu depositei toda a minha fé, tem um problema. Acabam-se as moedas. É mudança de turno. Acabou-se o papel. O artigo não passa. O artigo seguinte também não passa. O cabrão do terceiro artigo também não passa. O cliente pede trinta e duas facturas diferentes. O artigo está mal codificado. A empregada ganha instantaneamente uma vontade incontrolável de perguntar como estão as onze netas da cliente, que, orgulhosamente, debita a biografia de todas elas. Mais um artigo que não passa. Alguém pede para ligar para outro alguém. Acabaram-se os sacos. E tudo isto enquanto eu, com uma lágrima a escorrer-me pelo rosto, olho para as caixas adjacentes. Elas, como que cruelmente, avançam firmemente, libertando os seus clientes da opressão a que estavam sujeitos. Eu? Eu sou o homem da máscara de ferro. Imóvel. A observar a liberdade por uma janela. Neste caso por uma porta automática. 

“Que te fiz eu oh Deus dos supermercados, para merecer esta sorte?”

E quando finalmente chega a minha vez sinto-me como Mandela no dia da sua libertação. Mais uma luta titânica que chega ao fim. Livre por fim! Livre! Pouso os meus artigos no tapete rolante. Um sorriso de dever cumprido esboça-se na minha face.

“Ah peço desculpa, vai fechar!”

Fodass. 

Acabei de matar um gatinho dentro de mim.

www.merlin37.com/sindromepingodoce

Fate is the hunter

Existem livros sobre aviação. Existem livros que são obras-primas. E de vez em quando existem livros que são ambos. 

Fate is the hunter é um deles. 

fateistheonlyhunter

Baseado na vida e carreira do autor - Ernest Gann - esta pequena amostra de génio literário vicia-nos a partir da primeira página. Não gosto de ficar "agarrado" a nada, mas este livro tinha a tendência de me obrigar a folhear mais e mais e mais. Cocaína literária. E Ernest era Pablo Escobar. 

Imperial. E obrigatório. 

www.merlin37.com/fate

Pilecki

Fez em Janeiro setenta anos da libertação de Auschwitz. Setenta anos da libertação de um campo que representou a pior face na natureza humana. 

E mesmo assim, no Inferno, existem heróis. Um deles – pouco conhecido – chama-se Witold Pilecki.

pilecki

Capitão do exército polaco e um dos fundadores da resistência polaca, o Capitão Pilecki foi ao encontro de uma patrulha das SS em 1940 em Varsóvia, de forma intencional, e deixou-se capturar. O objectivo? Criar uma organização de resistência dentro do campo e relatar e escrever em relatório para as forças aliadas a realidade que se vivia em Auschwitz. Após a sua fuga do campo, em Abril de 1943, escreveu mais de 100 páginas sobre a crueldade vivida em Auschwitz. O primeiro relato, fidedigno, nas mãos dos aliados sobre a implementação da solução final. 

Capturado e morto pelo regime comunista polaco do pós-guerra, ignorado até à queda do muro de Berlim, o Capitão Witold Pilecki é hoje celebrado como um herói no seu país, Polónia. Mas ele não é apenas um herói polaco. É um herói de todos nós. Como Homens. Com H grande. Prova que a coragem, face ao inimaginável, existe. É palpável. E tem vários nomes.

E um deles é “Pilecki”.

www.merlin37.com/pilecki

O meu amigo buraco

Ó velho amigo que regressas com saudade... gosto em ver-te! Tal como todos os bons amigos, regressas sem avisar, ano após ano, para me fazer uma surpresa. Estás sempre ali no mesmo sítio, no cruzamento à saída da minha casa.

Avenida Duque de Ávila com a estação da Carris, Arco do Cego, 1940.Eduardo Portugal, in Arquivo Fotográfico da C.M.L

Avenida Duque de Ávila com a estação da Carris, Arco do Cego, 1940.
Eduardo Portugal, in Arquivo Fotográfico da C.M.L

Os meus pneus tratam-te por “tu”. E iria jurar que já te vi com uma das minhas jantes a beber uma mini enquanto passava o Nacional-Benfica na Sport TV.

Impressionante esse teu ritual, digno do mundo animal – tal e qual hibernação – em que todos os anos, todos, teimas em aparecer sempre que caem as primeiras chuvas.

Penso que saibas que não sou engenheiro civil, muito menos engenheiro de estruturas. Não tenho experiência em planeamento urbanístico... e nunca trabalhei em construção civil. Mas arriscarei afirmar que voltas sempre, saudoso e contente, porque alguém não está a fazer o trabalho que devia.

Não me leves a mal. Gosto da tua companhia. Gosto de te apresentar com pompa e surpresa aos meus amigos. “Olha... ali está ele!”, digo com expressão efusiva no rosto. Admiro igualmente a forma como treinas as minhas aptidões automobilísticas, apanhando-me de surpresa naqueles finais de tarde em que regresso, cansado, ao meu pouso.

Mas como qualquer bom amigo, também tu meu caro buraco, por vezes me deixas zangado. Incapaz de conter um expressivo “Fodass” ou um surpreso “Mas que caralh....” que é seguido atentamente por aquele senhor de setenta e poucos, que da passadeira olha para dentro da minha viatura como quem olha para a jaula dos tigres. “Gente mal educada” pensará certamente.

Sim meu companheiro! A partir de hoje estamos de relações cortadas! E até que tu tenhas um entendimento com os teus amigos da Câmara Municipal de Lisboa, passarei a chamar-te, com a dignidade que a ocasião impõe, de “cabrão”.

Cabrão do buraco! 

Ceuta

(Escrito a 21 de Agosto de 2015)

Faz hoje - 21 de Agosto - 600 anos que um pequeno reino europeu encheu o peito de ar, vestiu uma armadura e com um punhado de tomates considerável atravessou o mar e foi conquistar Ceuta.

conquistaceuta

Esta data não é importante apenas porque representa o início daquilo a que nós designamos de Descobrimentos. E muito menos por ter sido uma conquista pelas armas. 

É importante porque nos relembra algo com 600 anos. E ter 600 anos de história é obra! E antes desses 600 ainda existiram quase outros 300. Já andamos por cá faz um tempo

É importante porque nos galvaniza com o facto de que uma pequena nação entalada entre o mar e um reino de onde nem sequer aparecem bons casamentos ser capaz de fazer coisas grandiosas. 

É importante porque nos recorda que um dia, nós, “nação valente e imortal”, fomos donos disto “tudo”, fruto apenas da coragem, inteligência e visão demonstrada na altura.

É importante porque nos deveria elucidar para o facto de Portugal ser mais que os últimos 30 anos. São quase 900! 900 anos em que sempre que foi preciso levantámos a voz e dissemos a quem quer que viesse para aqui arranjar confusão que a coisa ía dar para o torto!

É importante porque nos deveria motivar ao saber que somos feitos do mesmo material, do mesmo sangue, da mesma fibra dos gajos que há 600 anos se meteram nuns barcos e foram ali para sul dos Algarves fazer das suas e dar novos mundos aos mundos.

E se eles o conseguiram... nós, à nossa maneira, também o podemos fazer. 

Um pouco de orgulho nacional não fica mal a ninguém. E não, hoje não joga a selecção.

www.merlin37.com/ceuta

Homenagem

(Escrito em Janeiro de 2015)

Acabo de ver o filme “American Sniper”. Pondo de parte o presente “americanismo” a parte final do filme (início dos créditos) fez-me fazer um paralelismo com a realidade nacional. Na forma como nós, portugueses, honramos quem serviu o seu país. 
 

americansniper


Faz um anos, ainda era eu oficial da Força Aérea, fui nomeado para comandar um pelotão na guarda de honra em um funeral de um General que tinha falecido. Verdade seja dita, para nós, pilotos, este género de serviço eram tudo menos desejado. Queríamos voar, voar e voar. Os nossos treinos de ordem unida era tudo menos frequentes. Mas antes de pilotos éramos militares. E ainda bem que assim o é. 


No dia estabelecido lá estávamos. Dois pelotões, impecavelmente formados, à entrada do cemitério do Alto de São João. Na hora estabelecida – e estando a urna a escassos metros da entrada do cemitério – a polícia parou o trânsito e formámos na estrada para prestar a devida homenagem com três salvas de G-3. 
Qual não é o meu espanto quando um popular, sentado na paragem de autocarro mesmo ao lado da formatura, começa a vociferar a plenos pulmões a sua indignação. “É uma vergonha” dizia. “o que é que aquela pessoa tinha a mais que ele para estar aquilo ali montado”. “Estou à espera do autocarro e quero ir para casa”. Entre outros comentários bem menos agradáveis. 
É-me impossível de descrever a raiva que me invadiu naquele momento. Vinda do mais fundo do meu ser. Daquela que nos consome. Que nos faz morder o lábio. Mas a disciplina e a rigidez militar fez que não me mexesse. Que não abrisse a boca. Nem eu nem nenhum dos militares ao meu lado. E prestámos a nossa homenagem. Não demorou mais do que três minutos. Três minutos que alguém não estava disposto a abrir mão como sinal de respeito a alguém que serviu o seu país durante mais de 40 anos. Alguém que lutou pela sua Pátria. Alguém que viveu em combate em meu nome, em nome de todos nós, em nome da nação. 

A forma como tratamos quem nos serve a todos, como país, adefine-nos como povo. Militares, polícias, bombeiros, são tantas vezes injustamente acusados em praça pública. São os chulos. Os que nos “roubam o dinheiro dos impostos”. Quando na realidade estão lá, no duro, todos os dias, dispostos a dar o melhor de si por todos nós. E mesmo que esse respeito não existisse em vida, ao menos que existisse na hora da partida...

Vejo o final do filme. Aquela homenagem nunca seria possível no meu país. E relembro aquele momento de há anos. Baixo a cara. Desta vez não de raiva. Mas de vergonha.

Chickenhawk

Conto pelos dedos de uma mão os livros que li e voltei a ler, em parte, mais tarde. Mas até hoje apenas um me cativou, por completo, duas vezes: Chickenhawk.

chickenhawk

"Lá está este gajo outra vez com helicópteros" dirá o leitor. Pelo contrário. Não me interpretem mal... Chickenhawk é sem dúvida a bíblia para qualquer piloto de helicópteros e é sem dúvida obrigatório para qualquer piloto. Mas é muito mais do que isso. É um excelente livro, e repito, excelente, mesmo para quem não tenha qualquer relação com o mundo da aviação. 

Robert Mason, ex piloto de UH-1 Huey, deixa-nos um relato nu e cru da realidade da guerra. Como costumamos dizer, "sem espinhas". Sem vergonha. Sem pudor. Sem patriotismos. Uma das mais frontais perspectivas do que foi a guerra do Vietname e o seu impacto em quem ela lutou. 

Não sabem o que ler este Natal? Acabaram-se as dúvidas.

Chickenhawk.

Days gone by

Existem discos que nos surpreendem. Não damos por eles. Que, estando perdidos numa prateleira qualquer, um dia ouvimos parte daquele som e ficamos obcecados por saber, e ouvir, mais. 

Recentemente descobri Bob Moses, e o disco "Days gone by". Álbum de 2015.  

Fabuloso. Simplesmente fabuloso. O single "Too much is never enough" é prova disso. 

Numa palavra? Se fosse puto diria "fixe!" Se estivesse nos meus gloriosos dezoito anos diria "brutal"! Como já passei a fronteira dos "intas" digo: "obrigatório"! 

Uma original prenda de Natal

Estou impressionado comigo. Já consigo fazer rimas no título das publicações. Entrei definitivamente no espírito! 

É possível que já tenham reparado na imagem de topo deste blog. A junção das asas portuguesas: a militar e a civil. Esta imagem saiu da mente artística de Miguel Amaral

Se são apaixonados por aeronáutica e ainda não sabem o que dar a outro apaixonado por máquinas do ar, poderão sempre pedir ao Miguel uma destas originais "caricaturas" para oferta. Basta escolher qual a aeronave que querem, seja civil seja militar, esperar uns dias, beber umas cervejas, ver o Benfica ganhar mais uns jogos e está feito!

artmiguelamaral.jpg

 

Se estiverem interessados poderão contactar o Miguel Amaral através do seguinte e-mail: garranaamaral@hotmail.com

 

5 de Outubro... o outro 5 de Outubro

(Escrito a 5 de Outubro de 2015)

A primeira bandeira do reino de Portugal. 

A primeira bandeira do reino de Portugal. 

 

Dia interessante esta segunda-feira de Outubro. 

Dia cinco. Liga-se a televisão, abrem-se as redes sociais, lêem-se os e-mails. E, tão previsivelmente como o meu Benfica ser campeão, fala-se sobre as eleições de ontem. Outros até celebram o 05 de Outubro como a implementação da república. Raros são – mas existem – os que celebram algo bem mais importante.

O aniversário de Portugal. 

05 de Outubro de 1143. A “nossa” data de aniversário oficial. Faz hoje 872 anos que somos oficialmente – e reconhecidamente – um país independente. E ninguém fala dela. Somos um país que não celebra a sua existência, a sua fundação, a sua história. Triste fado este. Preferimos celebrar a implementação de um sistema política à própria existência do estado em que ele é implementado. 

Arriscando tornar-me repetitivo, Portugal é mais do que os últimos 40 anos de história. É mais que os últimos 100 anos de república. Portugal anda por cá faz 872 anos. E isso é um claro motivo de celebração.

Passámos por tempos difíceis, fomos conquistados, conquistámos, demos um passo de fé e demos novos mundos aos mundo. Descobrimos, guerreámos, fomos gloriosos e fomos humilhados. Excedemo-nos, e ainda o fazemos em muitas áreas. Somos capazes do melhor e também do pior. 
Choramos com melancolia mas somos os mais alegres no reencontro. 

Temos 872 anos de história. Orgulhosa história. E isso merece um brinde! Não caraças! Merece uma grade de minis! Que é de Portugal que falamos. 

E ao brindar, diríamos como diria Afonso Henriques:

“SÃO JORGE”!

Parabéns Portugal!

Mais vale tarde do que nunca!

Bem, pelos vistos cedi. A pressão foi cruel, digna de romance barato. Os meus amigos estavam fartos de me ouvir... e vai daí criei um blog. 

Bem vindos ao Merlin 37

A partir de agora tenho finalmente um espaço para expor o sem número de coisas sem sentido que me passam pela cabeça. Passadas, presentes ou futuras. É altura de começar a reunir os textos que já foram feitos (e serão repetidos aqui, para horror do leitor) para que um dia os meus netos possam dizer do avô "este tipo era parvo". 

Aviação. Viagens. E coisas da vida. 

Assim será! 

Houve uma altura em que eu tinha cá uma pinta! (Foto: Luís Maia)

Houve uma altura em que eu tinha cá uma pinta! (Foto: Luís Maia)

(Especial agradecimento ao Miguel Amaral pelo magnífico logo)