1922-2022

V1... Rotate”. 

Com um pouco de pressão no sidestick, a aeronave eleva-se no ar. Em pouco menos de dois minutos estamos a voar com trem em cima, flaps recolhidos a subir para uma altitude final de 32.000 pés. Reclino a cadeira para trás e bebo um golo de café; daquele amaldiçoado pelo seu sabor, mas abençoado por meramente existir. Canárias ao final de duas horas, Cabo Verde ao final de quatro. Agora, à nossa frente, só o Brasil. Passadas quase sete horas, 3 cafés e alguma conversa vemos as primeiras luzes da terra de Vera Cruz no horizonte. Iniciamos a descida, aterramos na pista e pouco depois deixamos a carga mais preciosa de todas no seu destino: os nossos passageiros. Em menos de oito horas atravessámos um Oceano. 

A diferença que 100 anos fazem. 

Em 1922 foram setenta e nove dias. Com três aeronaves. Uma amaragem. Uma falha de motor. E certamente muito mais suor, palavrões e lágrimas à mistura. Foram 8000km de viagem até ao seu destino. Com várias escalas e paragens, a primeira travessia aérea do Atlântico Sul foi uma viagem épica que colocou Portugal na história da Aviação mundial. 

E celebra-se hoje, 30 de Março, exactamente 100 anos que se iniciou essa Epopeia. É interessante imaginar o que Sacadura Cabral e Gago Coutinho pensariam se estivessem a bordo de um qualquer voo que hoje descolasse de Lisboa com destino ao Brasil. Provavelmente ficariam admirados com a rapidez, conforto e segurança com que hoje atravessamos Oceanos. Confusos com as cadeiras reclináveis. E estupefactos com o facto de conseguirem comer comida quente a bordo. Tudo isto só é possível porque Aviadores como eles deram o primeiro passo – o mais arriscado de todos. Arriscaram. Acreditaram e sofreram.

Tudo isso faz do dia de hoje um dia digno de celebração. De celebrar dois Heróis. Dois Aviadores. E dois Portugueses.

É de feitos assim que se constroem Nações. De que se contam estórias e se escrevem canções. Faz hoje cem anos que ficámos um pouco maiores. 

A eles!

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Brasil, o polvo e o povo

Dizem que nós, os portugueses, somos um povo de brandos costumes. Que somos demasiado calmos. Que,  de forma evidente, relativizamos tudo e todos.

Furámos um pneu. “Ainda bem que não foi na auto-estrada.”

Partimos uma perna. “Podia ser pior, podiam ter sido as duas!”

Está a chover, a casa está inundada, a roupa molhada e a mulher não para de nos gritar ao ouvido. O cão perdeu-se e chegou mais uma carta das finanças. A nossa filha começou a namorar com o vizinho do 3º esquerdo. “Podia ser pior, podia ter acabado a cerveja!”

Há sempre algo, alguém ou alguma coisa implacavelmente pior. 

E dou por mim a pensar... Será que quando o nosso ex primeiro-ministro, José Sócrates, se viu a mãos com a justiça por indícios de corrupção, alguém terá pensado “Bem, podia ter sido pior. Podíamos ter tido o Lula ou a Dilma”? 

Foto: (c) Jornal "O Público"

Foto: (c) Jornal "O Público"

Certamente que sim. Há sempre alguém. E assim, por fim, finalmente bateria certo. 

O jornal “O Globo” abre hoje primeira página com a aparente aceitação por Lula da Silva de uma posição para ministro no governo brasileiro, a convite de Dilma Rousseff. Esta nomeação, com um timing estranhamente perfeito, permitiria a Lula obter a imunidade judicial que este cargo confere. Curioso. Especialmente tendo sido preso na semana passada. 

Não me interpretem mal amigos Brasileiros. Aqui deste lado do “lago” não estamos bem. Longe, muito longe disso. Como bem atesta a polémica das subvenções vitalícias ou a recente contratação por parte de uma empresa britânica da ex ministra das finanças deste pequeno rectângulo. Mas lá está. Podia ser pior. Podíamos ter um Lula ou uma Dilma. 

Propagou-se nos últimos anos uma canção popular em Portugal que, no seu âmago, se resumia a uma palavra de apelo ao povo. “Acordai”, dizia. Mas se nós portugueses estávamos com sono, vocês, meus irmãos da “ordem e progresso”, estão próximos do coma profundo.

Se Lula for mesmo nomeado ministro, peço-vos que, por tudo aquilo que o Brasil é e acima de tudo por tudo aquilo que poderá ser, que venham mais uma vez para a rua. Que lutem. Que digam “não!”, “acabou!", “chega!”.

Já chega porra. 

E os meus compatriotas portugueses que se desenganem. Há pior, sim. Mas estamos no mesmo rumo. Barco diferente. Mas mesma rota.  

O Brasil pode já estar a afundar, mas nós também já embatemos no Iceberg. 

E água não está fria. 

Está gelada. 

Acordai.

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