Brasil, o polvo e o povo

Dizem que nós, os portugueses, somos um povo de brandos costumes. Que somos demasiado calmos. Que,  de forma evidente, relativizamos tudo e todos.

Furámos um pneu. “Ainda bem que não foi na auto-estrada.”

Partimos uma perna. “Podia ser pior, podiam ter sido as duas!”

Está a chover, a casa está inundada, a roupa molhada e a mulher não para de nos gritar ao ouvido. O cão perdeu-se e chegou mais uma carta das finanças. A nossa filha começou a namorar com o vizinho do 3º esquerdo. “Podia ser pior, podia ter acabado a cerveja!”

Há sempre algo, alguém ou alguma coisa implacavelmente pior. 

E dou por mim a pensar... Será que quando o nosso ex primeiro-ministro, José Sócrates, se viu a mãos com a justiça por indícios de corrupção, alguém terá pensado “Bem, podia ter sido pior. Podíamos ter tido o Lula ou a Dilma”? 

Foto: (c) Jornal "O Público"

Foto: (c) Jornal "O Público"

Certamente que sim. Há sempre alguém. E assim, por fim, finalmente bateria certo. 

O jornal “O Globo” abre hoje primeira página com a aparente aceitação por Lula da Silva de uma posição para ministro no governo brasileiro, a convite de Dilma Rousseff. Esta nomeação, com um timing estranhamente perfeito, permitiria a Lula obter a imunidade judicial que este cargo confere. Curioso. Especialmente tendo sido preso na semana passada. 

Não me interpretem mal amigos Brasileiros. Aqui deste lado do “lago” não estamos bem. Longe, muito longe disso. Como bem atesta a polémica das subvenções vitalícias ou a recente contratação por parte de uma empresa britânica da ex ministra das finanças deste pequeno rectângulo. Mas lá está. Podia ser pior. Podíamos ter um Lula ou uma Dilma. 

Propagou-se nos últimos anos uma canção popular em Portugal que, no seu âmago, se resumia a uma palavra de apelo ao povo. “Acordai”, dizia. Mas se nós portugueses estávamos com sono, vocês, meus irmãos da “ordem e progresso”, estão próximos do coma profundo.

Se Lula for mesmo nomeado ministro, peço-vos que, por tudo aquilo que o Brasil é e acima de tudo por tudo aquilo que poderá ser, que venham mais uma vez para a rua. Que lutem. Que digam “não!”, “acabou!", “chega!”.

Já chega porra. 

E os meus compatriotas portugueses que se desenganem. Há pior, sim. Mas estamos no mesmo rumo. Barco diferente. Mas mesma rota.  

O Brasil pode já estar a afundar, mas nós também já embatemos no Iceberg. 

E água não está fria. 

Está gelada. 

Acordai.

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