O gajo que os tinha no sítio

Surpresa e confusão. Eram esses os sentimentos com que eu reagia quando lia algumas das condecorações atribuídas pela presidência da república. Ficava sempre com aquela estranha sensação de injustiça que nos consome lentamente e nos ocupa a mente durante horas. 

“Haveria certamente gajos mais merecedores de tais distinções”, pensava. Massificaram-se. Amigos, conhecidos, “tradição” ou aliados políticos passaram a ser justificações – se bem que privadas – para atribuir tais condecorações. Perdiam o seu valor aos poucos e poucos. 

Hoje, quarenta e dois anos após o 25 de Abril e vinte e quatro anos após a sua morte, quebrou-se uma dessas injustiças: Salgueiro Maia irá ser condecorado a título póstumo com a Ordem do Infante D. Henrique. 

Demorou porra. 

E ao contrário da grande maioria, a minha admiração por aquele Capitão não é originária na sua actuação naquele longo dia de Abril. Já tudo se disse sobre ele. Sobre a sua resiliência. Sobre a sua coragem. Sobre a sua liderança.

Salgueiro Maia pela lente de Alfredo Cunha (c) 

Salgueiro Maia pela lente de Alfredo Cunha (c) 

Não. 

Aquilo que mais admiro em Salgueiro foi a sua vida após a revolução. A sua humildade.

Enquanto uns se apoderavam desse dia, enquanto se enchiam de louros, títulos e de moralidade falsa. Enquanto, de facto, se tornavam e diziam donos de Abril, Salgueiro Maia foi fiel a si mesmo. Fez o que fez sem pedir nada em troca. Sem pedir um cargo. Sem tirar nenhum proveito. Fê-lo, acredito, pelas suas convicções. Pela sua personalidade e pela sua inteligência. Isso sim, diz-nos muito sobre a personalidade e carácter do homem. Morreu "sozinho": afastado da memória nacional.

Não basta andar com um cravo na lapela. Não chega fazer discursos bonitos e olhar para o lado quando não interessa. De uma ponta a outra do hemiciclo parlamentar,  aqueles que lá se sentam deviam olhar com admiração para aquele Capitão. Deviam tentar emular a sua força de vontade, dedicação e convicção. Mas tenho sérias dúvidas que o façam.

Demorou quarenta dois anos. Mas fez-se justiça

Ele era o gajo que os tinha no sítio. Não por aquele dia. Mas pelo que veio depois. 

Tomara eu que houvessem mais. 

www.merlin37.com/salgueiromaia

Quando a coragem se senta ao nosso lado

“Foi o dia mais feliz da minha vida”. Uma frase que todos nós dizemos com a leviandade típica do momento presente. Mas às vezes é muito mais profundo do que isso.

Foto: Menso Van Westrhenen (todos os direitos reservados)

Foto: Menso Van Westrhenen (todos os direitos reservados)

Cruzei-me ao longo da vida, como todos nós, com pessoas que são para nós exemplos… e outras que representam exactamente o contrário.Há os indivíduos que nos fazem pensar “eu quero ser como este tipo um dia” e aqueles que nos fazem perder a fé na raça humana. Mas são raros os casos de genuína admiração. Especialmente se tivermos a falar de um grupo inteiro de rapaziada.

Nos últimos anos ganhei a mais profunda admiração e respeito por um desses grupos. Chamam-se Recuperadores Salvadores.

Homens como eu, tu ou você que, do nada, se penduram num cabo de aço, deixando a segurança de um helicóptero perfeitamente voável, para retirar das garras da morte alguém que não conhecem. Homens que descem para vagas de 10 metros, para navios que teimam em não ficar quietos, para escarpas maiores que o maior prédio existente em Portugal sem nunca hesitar. Sem nunca dizer “não”. Sem nunca por em causa que aquela vida, lá em baixo, é sagrada, e que para salvá-la vale a pena por em risco a sua própria. Literalmente, a vida presa por um cabo.

Dentro de um helicóptero de busca e salvamento a coordenação, o trabalho de equipa, o profissionalismo e a calma de todos é essencial. A missão só é cumprida, aquele filho, pai ou irmão de alguém só chegará a casa se todos trabalharem em conjunto na mais suave das harmonias. É, e tem de ser, a mais perfeita equipa, composta por pilotos, operadores de sistemas, recuperadores e enfermeiros. Mas a Coragem destes Homens (recuperadores) nunca deixou de me surpreender. É merecedora do meu mais profundo respeito. Daquele que vem de dentro.

Um dia, numa reportagem para uma das televisões nacionais, a jornalista perguntou a um ex-recuperador salvador como é que ele se sentia no dia em que resgatou vários náufragos de um navio que afundou ao largo da costa portuguesa e que lhe tinha valido lesões que o deixaram paraplégico para todo o sempre. Agarrado e submisso a uma cadeira de rodas. Ao que ele respondeu, com a típica bravura que os caracteriza “foi o dia mais feliz da minha vida”.

“Porra” pensei “que orgulho em saber que ainda existem Homens destes”.