A ferro e fogo

O tipo que inventou a expressão “a história repete-se” sabia do que falava. Poderia muito bem estar a olhar para Portugal quando proferiu essas proféticas palavras. 

O país está a arder. De novo

João Miguel Tavares escreveu um artigo interessantíssimo no jornal Público de ontem.

De 2000 a 2013, e nos países do sul da Europa (Portugal, Espanha, França, Itália e Grécia) 53.4% de todos os incêndios registados foram-no em Portugal. A área ardida portuguesa foi 37.7% do total desses países juntos. Repito. Juntos. 

“Impressionante” ecoa-me pela cabeça. Já todos sabemos – nós, que andamos por cá neste rectângulo à mar plantado– que para mudar algo em Portugal é preciso anos. Décadas. Quem sabe séculos. Mas enquanto o país arde, pouco a pouco a cada ano que passa, parece que somos incapazes de aprender com os nossos erros. Arriscamo-nos que já tudo tenha ardido quando finalmente aprendermos.

A floresta portuguesa representa sensivelmente 1.2% do produto interno bruto nacional. 9% das exportações de bens portuguesas. É essencial na economia portuguesa de forma directa. Tal como o é indirectamente através do turismo e da qualidade de vida que nos proporciona a nós, cidadãos. É, desde os tempos de D. Dinis, um dos mais importantes bens ao dispor do país. 

Mas esqueçam a parte económica. Concentrem-se meramente na parte prática.

E aí é difícil de não concordar com João Miguel Tavares quando afirma que existe “incompetência política”. 

Anos e anos de contratos de carácter duvidoso com empresas civis de combate a incêndios com valores milionários. Pouco investimento no treino e equipamento de quem combate incêndios. Durante anos um fraco sistema de coordenação e controlo. Um sistema judicial que pouco pune quem comete um crime que, no fundo, é um crime de lesa à Pátria. Contratos de meios aéreos com condições intransigentes. A eliminação sistemática da Força Aérea Portuguesa no combate aos incêndios em prol de concorrentes civis. E por aí em diante. 

Em Portugal, o “fogo” passou a ser uma indústria. Altamente lucrativa para quem nela participa. 

O Estado não só apoia, como fomenta, quem com estas acções lucra. Seja por incompetência no planeamento a longo prazo, seja deliberadamente na escolha dos contratos que administra. 

Vejamos um exemplo em concreto. 

Provavelmente o mais famoso avião de combate a incêndios florestais do mundo chama-se “Canadair”.  De fabrico canadiano, e nas suas diversas versões, é operado por países tão semelhantes no seu clima a Portugal. Entre eles: Espanha, França, Itália, Grécia, Croácia, Turquia e Marrocos (!). Sim Marrocos. O nosso vizinho a sul que na sua maioria é deserto. Seja pela Força Aérea daqueles países, seja por empresas do estado (protecção civil). 

canadair

Será que só nós somos os únicos que estamos bem? 

Será que após treze (!) anos em que dominámos em número de incêndios e área ardida não aprendemos com os nossos erros e com o exemplo dos outros? 

Será que continuamos a apostar em contratos milionários com empresas civis que, quando questionados se será possível enviar aeronaves para o Funchal, respondem que tal “não está contratualizado”? 

Será que continuamos a não investir? A não pensar a longo prazo? A não comprar os meios que o país, ano após ano, precisa? 

Será que continuamos a gastar quatro vezes menos na prevenção do que no combate? Que não aplicamos as lições já aprendidas? 

Estamos rodeados por todos os lados de operadores de “Canadairs”. E nós, aqueles que mais precisam deles, não os temos. 

Este é somente um exemplo no meio de muitos. 

E entretanto o país arde. 

Bato com a cabeça na mesa.

Não é só incompetência política. 

É crime

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