Porque fazemos aquilo que fazemos

Não deve existir nenhum piloto militar que não recorde com nostalgia os tempos que voou ao serviço do seu país. O tipo de voo, as missões, a camaradagem.

São coisas que não se esquecem. Mas existem Esquadras – e missões – que nos tocam mais que outras.

Aquando da minha passagem pela Força Aérea Portuguesa (curta é certo) muitas vezes me vi deparado com a pergunta “porque é que fazia aquilo que fazia”. A resposta surgiu, um dia, da forma mais inesperada.

Servi durante mais de quatro anos na Esquadra 751 a voar o magnífico EH-­‐101 “Merlin”. A nossa principal missão era a execução de missões de Busca e Salvamento. Missões essas que deixavam uma marca profunda em todos os que por lá passámos. "Posso ser um tipo novo", costumo dizer, "mas já tenho umas histórias para contar aos netos". O lema, “Para que outros vivam”, era vivido ao máximo. Era a nossa motivação, a nossa força, o nosso orgulho.

Foto: Menso Van Westrhenen (c)

Foto: Menso Van Westrhenen (c)

Em 2012, para além das funções como piloto‐comandante, era igualmente oficial de relações públicas da Esquadra. Todos os tripulantes, fossem pilotos, recuperadores salvadores ou operadores de sistemas, tinham funções complementares em terra. Aquela era a minha. E, consequência dessa atribuição, era da minha responsabilidade organizar, desenvolver e implementar a política de comunicação da Esquadra.

Um dos eventos que organizámos foi uma Grande Reportagem da TVI imediatamente após o incidente com o cruzeiro Costa Concordia. A premissa seria demonstrar os meios que Portugal teria no caso dessa catástrofe acontecer em águas nacionais. Uma das hipóteses que achámos interessante foi promover o reencontro entre um recuperador salvador (os homens que descem no cabo para irem resgatar quem deles precisa) e um náufrago por ele resgatado. E assim foi. No dia combinado o referido náufrago foi ter connosco à Esquadra e com ele trouxe o seu pequeno filho. Decidimos filmar esse reencontro à entrada do edifício da Esquadra. “Porreiro”, pensava eu, “vai dar um bom momento de televisão”.

Durante a filmagem do reencontro fiquei a fazer companhia ao filho . Ele teria quatro, cinco anos talvez. Estávamos sentados os dois à beira do passeio, a poucos metros de onde o pai estava a ser entrevistado. Então, de forma repentina, toca-me no braço, chama-me a atenção e olha-me nos olhos. E aí, nesse momento, ouvi umas palavras que ficarão comigo para todo o sempre.

Obrigado por salvarem o meu pai”.

Ali estava eu. Militar, fardado com fato de voo, com aquele ar tipicamente rígido e já com alguma experiência em missões complexas… e fui invadido por um riso incontrolável acompanhado de uma emoção que apenas posso descrever como… indescritível.

Eu nem tinha participado naquela missão específica, e ouvir aquilo foi um dos momentos mais simples, mas memoráveis da minha vida.

Ali, naquele início de tarde sentado naquele passeio, tive a certeza:

É por isto que fazemos aquilo que fazemos”.

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