Sou um tipo novo. Vá. Semi-novo. E às vezes apercebo-me que já tenho umas quantas “estórias” no baú. E daquelas de que quando me lembro me evoca um sorriso de orelha a orelha. Aturai-me.:
01 de Junho, dia da criança estávamos em 2011.
Era mais uma daquelas noites de alerta nos Açores em que só pensamos para nós mesmos: “hoje espero não voar”. E claro, o telefone toca.
Fato de voo, botas, água pela cara abaixo, tudo em menos de vinte segundos. Descolamos logo que possível. A missão: um recém-nascido, de sete meses, em estado grave para ser transportado do Faial para Ponta Delgada. Pelo meio iríamos aterrar no heliporto de Angra do Heroísmo para recolher uma incubadora essencial para a sobrevivência do nosso mais pequeno companheiro.
Tempo? Típico dos Açores. Tectos baixos, ventos fortes, chove, não chove, chove, não chove. Radar sempre ligado. Aterramos em Angra do Heroísmo recolhemos a incubadora e a equipa médica. Seguimos para o Faial e por lá ficamos cerca de uma hora, à espera que estabilizem a criança. Descolamos em direção a Ponta Delgada – mais tempo horrível – onde deixamos finalmente o pequeno e a mãe. Regressamos às Lajes com o sol a nascer e com uma camada de nuvens simplesmente fantástica por debaixo de nós. Uma daquelas noites em que os astros se alinharam e o efeito das luzes do helicóptero nos cristais de água fazia as nuvens, ali aos nossos pés, brilhar com as cores do arco-íris. Isto numa noite escura como breu. Foi a noite inteira a voar. Mas nenhum de nós tinha sono. Nenhum de nós estava cansado. Estávamos apenas… com um orgulhoso sorriso.
Orgulho-me de viver numa época, numa sociedade, num país, em que numa noite, em 3 pedaços de terra diferentes perdidos no meio do oceano atlântico dezenas de pessoas se juntaram para ajudar aquela criança. Todos acordaram de madrugada e trabalharam em conjunto – Tripulação do helicóptero, Controladores Aéreos, Médicos, Enfermeiros, Bombeiros, Pessoal do Aeroporto, Combustível, Condutores, pessoal dos hospitais, pessoal de serviço da proteção civil – para que aquele bebé frágil sobrevivesse. Infelizmente, não me lembro do nome dele.
Nunca mais encarei o dia da criança da mesma maneira. Foi, para mim, o dia em que dezenas de estranhos, incógnitos, se juntaram para ajudar um pequeno compatriota a viver mais um dia, mais uma semana, meses, anos… E é essa a memória que vai comigo. Para sempre.
Quem sabe, talvez um dia ele leia este texto.
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