“MEDIC 11 ready for departure”.
“You are cleared for take-off MEDIC 11, wind 340, six knots.”
“Siga, vamos embora, dez pés”.
“Hover checks”.
Início de tarde de um dia Inverno no Montijo. Estávamos em Março e a Primavera já estava ali à porta. Um dia perfeito para qualquer aviador. Sol, pouco vento e aquele calorzinho sorrateiro que nos preenche a alma. Pouco mais de dez minutos depois de termos recebido o alerta para descolar, estávamos a dez pés em voo estacionário a efectuar os últimos “checks” antes de descolar.
“Tudo OK. Siga”.
“Descolagem vertical. Rotação aos setenta pés”.
Colectivo para cima. Setenta pés. Nariz em baixo e ganhamos velocidade. Volta pela esquerda. Pouco depois a torre do Montijo indica-nos que devemos contactar a frequência rádio de Lisboa Approach.
Mais uma saída de alerta em que todos nós, dentro daquele helicóptero, sabemos o peso que significa ter aquele indicativo: “MEDIC 11”.
Tínhamos sido informados da necessidade de efectuar uma evacuação urgente de um tripulante da embarcação “COSL INNOVATOR”. O centro coordenador de busca e salvamento naval tinha requerido a activação do meio aéreo à Força Aérea e daí a nossa saída imediata. Geralmente, e sempre que possível, tentamos em um ou dois minutos obter mais informações sobre a embarcação em que iremos efectuar a recuperação. Essa recolha é – muitas vezes – bastante simples. Entrar no Google, pesquisar pelo nome da embarcação, e imprimir à pressa umas imagens para estudo a bordo. Desta vez não foi possível. Estávamos no helicóptero, mil pés sobre o rio Tejo, praticamente “em branco”. Tínhamos a informação que o nosso objectivo se encontrava a navegar sensivelmente a oitenta milhas a nordoeste do Montijo, mais concretamente ao largo de Peniche, e pouco mais. Quando dizíamos que não há voos iguais, não há mesmo. Às vezes não sabemos o que vamos encontrar. A adrenalina sobe.
“Lisboa Approach, muito boa tarde, MEDIC 11, one thousand feet over the river.”
“MEDIC 11, boa tarde, proceed direct to operational area”.
Entramos igualmente em contacto com o Centro coordenador de Busca e Salvamento presente no Comando Aéreo (CA), em Monsanto.
“Comando Aéreo boa tarde, daqui é o MEDIC 11”.
“MEDIC 11, boa tarde, confirme se é capaz de aterrar na plataforma para recolha do paciente”.
Eu e o co-piloto olhamos instantaneamente um para o outro. Ambos com olhar incrédulo. Aterrar? Plataforma? Que raio?
Afinal sempre devem ter descoberto petróleo ao largo de Peniche, dizíamos na brincadeira.
“Comando Aéreo, MEDIC 11, confirme que a embarcação é uma plataforma de petróleo com heliporto operacional?”
“Afirmativo. Confirme se será possível aterrar”.
Respiro fundo e suspiro. Nós, que descolámos em pouco mais de dez minutos, sem nenhuma informação específica sobre o nosso objectivo com excepção da sua localização, não temos evidentemente acesso aos requisitos operacionais da plataforma. O heliporto está certificado para que peso? Com que dimensões? Qual a área de segurança? E qual o sector de aproximação preferencial? Ali, a cento e cinquenta nós de velocidade, a dois mil pés, a cruzar a linha de costa, seria um “pouco” difícil de confirmar esses factos.
“Comando Aéreo, daqui é o MEDIC11. Vocês terão de obter essa informação. Por favor tentem saber através deles para que peso está certificado o heliporto.”
Com uma estimativa rápida calculamos chegar à posição aproximada da plataforma com mais ou menos treze toneladas de peso. Estamos relativamente pesados.
“MEDIC 11, Comando Aéreo, a plataforma informa que o heliporto está certificado para doze toneladas ponto oito (12.8)”.
“Bem”, penso, “essa questão está resolvida”.
Mais ou menos a trinta milhas iniciamos o contacto com a plataforma na frequência de emergência marítima.
“COSL INNOVATOR, good evening, this is Portuguese Air Force rescue helicopter calling you on channel sixteen”.
O contacto é curto, claro e conciso como mandam as regras. Um atestado à experiência de navegação da tripulação da plataforma e à sua familiarização com operações aéreas. Assim dá gosto.
Descobrimos que se encontram a navegar a uma velocidade de quatro nós. Outra surpresa. Sempre assumimos que a plataforma estaria estacionária ao largo da costa. Não estava. Navegava. Uma plataforma que navegava por meios próprios.
Iniciamos o briefing com a tripulação da plataforma via rápido e, após uma curta conversa entre todos nós, decidimos efectuar um guincho à vertical do heliporto. A zona era relativamente desimpedida (afinal de contas, aterravam por lá máquinas semelhantes à nossa) e tínhamos uma área de segurança em caso de falha de motor. Executamos o reconhecimento à plataforma e efectuamos a operação.
Pouco menos de dez minutos depois estávamos de regresso, rumo a Lisboa, para entregar ao INEM o nosso paciente.
Mais uma missão para o registo da 751.
Já tínhamos feito um pouco de tudo. Navios, paquetes, iates, veleiros, pequenas embarcações de pesca, canoas (!), surfistas, náufragos em mar aberto e todo o tipo de material que boiasse e fosse suficientemente forte para aguentar com uma alma humana a bordo.
Mas uma plataforma a navegar era novidade. Pelo menos nos tempos do EH-101 “Merlin”. Mesmo não tendo aterrado, era a primeira vez... e sendo a primeira vez, claro, o bar de esquadra lá teria de ganhar mais uma grade de cerveja. Mandava a tradição.
E a tradição é soberana.
Sai uma grade!
www.merlin37.com/aplataforma