(Escrito a 12 Outubro 2014)
Dou por mim a olhar para a parede do quarto de forma filosófica. Será que a consigo deitar abaixo com a cabeça? É o que me apetece. É o que me apetece- genuinamente – depois de ler os comentários às notícias sobre a “reunião” dos pilotos militares.
Faço desde já a minha declaração de interesses. Fui piloto militar por mais de 8 anos. Foi o meu sonho de criança. Vestir pela última vez o fato de voo foi dos piores momentos da minha existência. E agora vamos ao que interessa.
O problema? A saída de pilotos militares para o mundo civil. A minha indignação? A atitude – tipicamente portuguesa é certo – de quem critica tudo e todos sem, de facto, criticar o que merece ser criticado.
Este é um problema que existe há décadas. Como é normal em Portugal, o conceito de “décadas” não é suficiente para resolver um problema. Precisamos, provavelmente, de séculos. A inexistência de pragmatismo surpreende-me.
Continuamos a pensar – como país, como povo, como grupo – a curto prazo. O país investe milhões na formação de um indivíduo com uma formação muito específica, longa e exigente. Esse indivíduo, ao longo da sua carreira, irá passar por diversas situações de perigo iminente, de exigência extrema, de “stress” levado ao limite da compreensão. Irá passar por períodos longos de ausência familiar, em missão fora do seu país ou da sua zona e, tudo isto, importante não esquecer, após jurar defender o seu país “mesmo com o sacrifício da própria vida”.
Repito. “Mesmo com o sacrifício da própria vida”.
Nunca, pelo menos no tempo em que eu lá estive, nenhuma missão ficou por cumprir. Estivesse chuva, estivesse sol. Em Portugal ou no Afeganistão. Ou como hoje. No Mali ou na Lituânia. E nunca, nunca, ninguém ouvirá esses pilotos dizer que não gostam do que fazem. Pelo contrário. Todos sentem como um privilégio voar como só um aviador militar voa.
E é contra estes indivíduos que a rapaziada se indigna? Contra os pilotos que defendem o espaço aéreo europeu na Lituânia, contra os pilotos que combatem o extremismo islâmico no Mali, contra os pilotos que descolam às três da manhã no meio de um dia de trovoada para resgatar alguém que não conhecem? E tudo isto, convém realçar, ganhando menos que um condutor de um ministro?
Está na natureza humana procurar uma vida melhor. Em todos nós. Que atire a primeira pedra o primeiro indivíduo que não ponderaria seriamente abandonar o seu emprego por outro que oferece um ordenado quatro vezes superior, mais tempo em casa e melhores condições gerais. Venha o primeiro. E com os pilotos militares teria de ser diferente? Qualquer piloto militar, ou qualquer outra especialidade é certo, cumpre o tempo mínimo que lhe é exigido. oito ou doze anos. Após isso alguns procuram – e bem – uma vida melhor para si e para a sua família. Uns dão o “extra-mile”. Outros não. E que nunca ninguém duvide da sua dedicação e amor à sua Pátria. Dos que ficam ou dos que vão.
Quem eu critico? Eu critico quem deixa esta situação chegar onde chegou. Quem prefere perder vinte pilotos todos os anos e gastar mais a formar outros vinte. Quem prefere encostar pilotos a secretárias por serem milicianos, a deixá-los sair ou voar nas esquadras - trabalho para o qual foram efectivamente contratados.
Formamos profissionais de milhões, e depois não lhes damos as condições necessárias para que quem quiser continuar continue. A Força Aérea não é uma prisão. É uma instituição constituída por pessoas. Pessoas com um exigente grau de responsabilidade. E como qualquer outra pessoa, também estas têm um limite.
Está na altura de garantirmos que esse limite não é ultrapassado. Está na altura de darmos condições a quem as merece. Não é só moralmente correcto. É economicamente eficiente.