Nas últimas semanas têm-se multiplicado as notícias sobre o estado do transporte aéreo nacional tendo vários artigos de opinião como foco a TAP. “Sempre a mesma coisa”. “Sempre atrasada”. "Uma vergonha”. O ranking de pontualidade da TAP Air Portugal está efectivamente abaixo da maioria das suas congéneres europeias. No mais recente Airline and Airport Star Ratings, publicado pela consultora OAG que mede os registos de pontualidade (On-Time Performance) de companhias aéreas e aeroportos, a TAP obteve a pontuação de 63.8%.
Mas será que a culpa é apenas da TAP Air Portugal? Serão estes atrasos somente imputáveis à transportadora aérea nacional?
Vamos por pontos, e primeiro... os práticos:
O “caos” do aeroporto de Lisboa. Não sou eu que o digo. É o EL PAÍS, jornal do país vizinho. No mesmo rating acima referido publicado pela OAG, em mais de mil e duzentos aeroportos analisados globalmente, o aeroporto da Portela é o sexto pior classificado, ganhando apenas uma estrela em cinco possíveis. Com o aumento brutal de tráfego aéreo e do número de passageiros a chegar a Lisboa, que atingiu em 2017 26.7 milhões, mais 11 milhões que em 2013, Lisboa está a tornar-se um exemplo de crescimento insustentável. A ANA (Aeroportos de Portugal) vende a capacidade máxima de movimentos por hora que o aeroporto é capaz de suportar: quarenta. Isto significa que o mais pequeno contratempo, como por exemplo uma aproximação interrompida, mudança de pista ou mesmo descolagens entre aeronaves de classe diferentes (por exemplo um ATR-72 e um Airbus A340), resultará imediatamente num atraso. Mesmo tendo em conta que na hora seguinte, a “hora de recuperação”, o número de movimentos passe para trinta e oito. Por mais boa vontade que o controlo de Lisboa tenha será impossível recuperar esse atraso. Adicionalmente, a aplicação do processo A-CDM (Airport Collaborative Decision Making), que ajudaria a coordenar as operações em terra do aeroporto, acabaria por ser implementado de forma rápida e tardia (de modo a garantir os fundos europeus que o poderiam financiar). E, mesmo assim, o sistema não está completamente integrado com o EUROCONTROL sendo que algumas das tarefas não são executadas de forma automática (como a actualização de planos de voos ou do horário de saída – TOBT (Target Off Block Time) - que poderá demorar até cinco minutos a ser actualizado). Tendo em conta que se uma aeronave perder um TOBT por segundos, terá de esperar, mesmo que pronta, vários minutos, poderá ter-se uma ideia da dimensão temporal que o simples processo de sair do stand poderá ter. A juntar a isto as aeronaves com Slot (e já lá vamos a esta questão) têm sempre prioridade sobre as aeronaves que não o têm. Tendo em conta que hoje em dia a maioria dos voos tem Slot, o primeiro voo que não o tenha arrisca-se a sair com um atrasado significativo. Fisicamente também não há capacidade para mais. Na prática Lisboa possui apenas uma pista (03/21), sendo que a segunda, a pista 35/17, está constantemente fechada devido à necessidade de parquear aeronaves. A inexistência de um caminho de rolagem (taxiway) paralelo ao longo de toda a extensão da pista 21, quando as descolagens se dão na direcção sul, significa por si só que quando esta configuração está activa é impossível retirar o máximo de eficiência em termos de movimentos do aeroporto. Estes factos são completamente alheios e não são controláveis pela TAP.
A somar a esta ineficiência e saturação da infraestrutura aeroportuária, existem questões de espaço aéreo. Este encontra-se dividido em sectores. Cada sector está atribuído a um controlador aéreo e tem uma capacidade máxima de aeronaves que pode suportar. Ultrapassar esse limite só quebrando as regras. Um Slot é, de uma forma muito rudimentar e simplificada, uma janela de tempo que está atribuída a uma determinada aeronave em terra – no aeroporto – ou no ar – espaço aéreo – e que garante que operação do voo seja contínua. É que lá em cima não existem bombas de gasolina, e quando um avião descola tem de se garantir que em rota existe a capacidade para o receber e acomodar. Um Slot é, resumidamente, uma faixa horária. Com a saturação do espaço aéreo e dos aeroportos europeus é cada vez mais comum a existência de Slots que por norma atrasam a partida planeada dos voos. Adicionalmente, em Portugal existem diversas zonas restritas ou reservadas de espaço aéreo que condicionam a optimização do mesmo. Um bom exemplo será a incapacidade de se criarem rotas de saída de instrumentos (SID, Standart Instrument Departures) para aeronaves mais lentas em Lisboa. E finalmente o software do sistema de gestão do espaço aéreo nacional encontra-se obsoleto. A NAV tem vindo a alertar para este facto, tendo o mesmo falhado pelo menos quatro vezes nos últimos anos. A sua substituição está finalmente prevista para o próximo ano de 2019. Estes factos são completamente alheios e não são controláveis pela TAP.
Como terceiro ponto, a localização geográfica portuguesa. Lisboa está localizada na extremidade sudoeste da Europa, o que significa que a esmagadora maioria dos voos de médio curso com origem na capital tem de cruzar grande parte do território europeu. Uma greve no controlo de espaço aéreo francês, por exemplo, (e nos últimos anos têm sido várias) irá obrigar a que uma aeronave voe uma rota consideravelmente mais longa que o esperado. Uma aeronave da TAP com destino a Milão que se vir confrontada com uma greve do sector do controlo aéreo de Marselha, terá de fazer essa rota por Norte, via Paris e Bruxelas, ou por sul, por espaço aéreo Argelino, atrasando o voo significativamente. É evidente que esta questão afecta qualquer companhia aérea, não apenas a TAP. Mas uma operadora que está localizada numa das extremidades da Europa sofrerá consideravelmente mais que as restantes. Um dia de greve do controlo aéreo francês significa que quase todos os voos de médio curso da companhia nacional sofrerão algum tipo de atraso. Mais uma vez, estes factos são completamente alheios e não são controláveis pela TAP.
Mas agora falemos estrategicamente. Da “Big Picture”.
A concessão/privatização da ANA (Aeroportos de Portugal) ao grupo francês VINCI representou algo raro na indústria. O estado privatizou toda a estrutura aeroportuária portuguesa (ANA) ao mesmo consórcio, entregando efectivamente um monopólio a uma empresa privada. Por norma privatizam-se aeroportos individualmente, gerando concorrência. Não se privatiza toda a estrutura à mesma entidade. Privatizar individualmente os aeroportos incentiva a que “lutem” entre si para captar tráfego, melhorando as condições oferecidas e apostando numa expansão sustentada. A cedência de um monopólio a uma única entidade poderá ter o efeito inverso (como é exemplo o aumento constante das taxas aeroportuárias nos aeroportos nacionais).
É igualmente bom relembrar que estava previsto no acordo de concessão da ANA que a Portela estaria esgotada com o processamento de 22 milhões de passageiros anuais e que essa seria uma das condições para que a empresa vencedora iniciasse o estudo e construção de uma alternativa. A Portela ultrapassou os 22 milhões em 2016. Hoje vamos quase em 27 milhões.
Igualmente surpreendente é o silêncio do Estado português. Para quem o turismo representa a pedra basilar da política de recuperação económica, a não tomada de uma decisão e o arrastar constante da escolha de uma alternativa irá levar, mais uma vez, a um impasse estratégico no país. O pensamento a longo prazo é algo que, infelizmente, ainda não está enraizado na nossa cultura governativa. E mesmo a opção Portela + 1, Montijo, está longe de ser consensual. Estudos mais recentes defendem que afinal levará mais anos que o previsto a ser construído (nunca antes de 2022) e que o seu custo será muito maior ao anunciado (nunca abaixo dos dois mil milhões de Euros). Provavelmente já estaria na altura do Estado fazer o que lhe compete: reunir a ANA, VINCI, Força Aérea Portuguesa, ANAC, NAV, Ministério do Planeamento e das Infraestruturas, Ministério da Economia, Ministério das Finanças, Secretaria de Estado do Turismo e o gabinete do primeiro-ministro, todos debaixo do mesmo tecto e daí só sair com uma decisão. Provavelmente chegariam à conclusão que estaria na altura de voltar a pensar na construção de um aeroporto de raiz e que essa opção, a longo prazo, sairia mais barata ao país.
Com tudo isto não quero de todo afirmar que a TAP não tem defeitos. Tem com certeza. E deverá fazer tudo ao seu alcance para os corrigir. E quando tal não for possível, deverá exceder-se na protecção dos seus passageiros. A TAP está em franco crescimento o que origina diversas irregularidades operacionais. Mas, verdade seja dita, todas as companhias aéreas as têm. Não é um problema exclusivo da TAP. Mas parece que todas as críticas acabam por recair sobre ela.
E, para terminar, façamos uma pequena analogia. Vamos imaginar que moramos em Almada. Entramos no nosso trabalho às 09:00 da manhã e todos os dias apanhamos um Táxi às 08:45. Como o trânsito na ponte 25 de Abril está sempre o caos chegamos constantemente atrasados. Mas nunca nos passará pela cabeça culpar o Táxi e o seu condutor, pois não?
Este problema não afecta apenas a TAP. Afecta todas as companhias aéreas a operar a partir de Lisboa. O problema está a montante não está? Está.
E neste caso a montante até tem nome.
Chama-se Aeroporto Humberto Delgado.