Belém. Quem passa por aquela zona à beira rio num dia de sol mal repara naquela réplica de aço de um biplano que por ali se encontra. Há quem tire consolo da sombra que aquelas asas oferecem. "Dádiva dos deuses", pensarão quando o calor aperta. E quem, por curiosidade, tenta ler o que naquela placa está gravado é defrontado com um texto quase imperceptível. Culpa de anos e anos de exposição aos elementos. Frio, chuva e calor que fizeram desaparecer aquelas palavras de homenagem.
Mas essa culpa é também dos que andam por cá: Nós.
30 de Março de 1922. Faz hoje noventa e quatro anos (texto de 2016) que de ali próximo descolaram dois portugueses numa máquina construída de tela e madeira: um hidroavião baptizado de “Lusitânia”. Os seus nomes? Gago Coutinho e Sacadura Cabral. O seu destino? Brasil.
Aquela seria, pela primeira vez na história, uma travessia do Atlântico Sul. E mais do que o feito aeronáutico de levar uma aeronave tão longe seria o feito de lá chegar, ao local exacto: usariam uma inovadora técnica de navegação aérea desenvolvida por Gago Coutinho.
Um feito épico. Uma viagem em que – mais uma vez – os portugueses demonstrariam que eram capazes de ser empreendedores. Com os tomates no sítio e com a cabeça fria, chegariam lá. E seríamos os primeiros a fazê-lo. Como se aquele espírito das Descobertas ainda vivesse naquelas asas.
Foram setenta e nove dias. Três aeronaves. Uma amaragem. Uma falha de motor. Certamente muito suor, palavrões e insultos à mistura. E mais de 8000km de viagem. Mas chegaram. Chegaram ao seu destino e fizeram história.
Foram (e gosto de pensar que ainda são!) o orgulho de um país. Inscreveram Portugal na história aeronáutica e provaram mais uma vez que aquela nação pequena era mesmo valente e capaz de coisas grandiosas.
E passam noventa e quatro anos. Aquela placa imperceptível continua igual. Como se tal feito fosse cruelmente eliminado da nossa memória colectiva. Pouco se fala. Pouco se comenta. Pouco se lembra.
Bem sei que hoje chegamos ao Brasil em nove horas. Confortavelmente sentados a 40.000 pés, a olhar pela janela. Até nos chateamos quando a temperatura está um pouco alta na cabine ou o entretenimento a bordo demora muito tempo a iniciar aquele filme que queríamos ver. Mas isso é hoje. Quase um século depois.
Aqueles dois tipos que deviam ser uma inspiração para todos nós, exemplo de engenho e arte, são infelizmente relegados ao esquecimento.
Não comemoramos os nossos heróis neste país. Não os celebramos como exemplo do que somos capazes. Como se, de forma algo surpreendente, tivéssemos vergonha das glórias do passado. Não devíamos.
Abano a cabeça em sinal desilusão. Ao menos arranjem aquela porra de placa.
É o mínimo que podemos fazer.
E isso não é ser picuinhas. Não é ser saudosista. Não é ser nacionalista. Não.
É tão simplesmente o nosso Dever.
Como povo. Como Nação.
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