Aqui estamos, prontos para o sacrifício

Mama Sumae. É esse o grito dos Comandos. Originalmente de uma tribo Bantu, do sul de Angola, foi adoptado pelos boinas vermelhas aquando da sua criação. Significa simplesmente “Aqui estamos, prontos para o sacrifício”.

Na sociedade actual, por sinal cada vez mais individualista e rendida ao culto do próprio, não deixa de ser digno existir um punhado de gajos que têm como lema a sua disponibilidade em se sacrificarem por nós. Pelo país. Pela Nação. 

Durante os últimos dias tem-se ouvido um significativo número de vozes a defender a extinção do regimento de Comandos. Dois instruendos, pertencentes ao mais recente curso desta força, faleceram durante o desenrolar do mesmo. Como é natural por estes lados, uma onda populista apoderou-se de quem nestas alturas deveria ter, pelo contrário, a cabeça fria. O ministro da Defesa pondera a extinção do regimento e um partido directamente relacionado com o governo exige em praça pública a extinção dos boinas vermelhas. 

Que fique bem claro: qualquer morte que ocorra em instrução militar é de lamentar. Tem de ser obrigatoriamente investigada. Tem de se perceber a razão e corrigir as causas se necessário. Tem de se punir se tiver existido negligência. O treino deverá levar um indivíduo ao limite. Nunca ultrapassá-lo. Mas daí a se exigir a extinção de uma força é, à falta de melhor, populismo puro e duro. Estaria ao mesmo nível de extinguirmos a prática do futebol por morrer um jogador em campo. De pararmos a aviação comercial porque um piloto se suicidou nos Alpes. De proibir a natação porque alguém morre afogado. 

Foto: (c) Pedro Monteiro (todos os direitos reservados)

Foto: (c) Pedro Monteiro (todos os direitos reservados)

A formação dos Comandos não é dura por capricho. Por gosto ou sadismo dos instrutores. 

É dura por necessidade

É dura porque em combate, quando as balas começam a zumbir ao ouvido, e a confusão e o medo se tornam numa constante, a única pessoa em quem se pode confiar é no homem ao nosso lado. 

É dura porque para sobreviver é preciso ser mais forte. É preciso ser o mais preparado. O mais bem treinado. 

É dura porque tem de se separar o trigo do joio. Porque tem de se descobrir o carácter de uma pessoa. Tem de se descobrir quem o tem e que não o tem. Quem está pronto a ir até ao limite das suas forças para salvar o homem ao seu lado. Para cumprir a missão. Para servir o seu país. 

É dura porque é preciso quem marche trinta quilómetros com trinta quilos às costas.

É dura porque um pequeno erro no Afeganistão, no Iraque ou no Mali pode custar a vida. Os Comandos sabem-no. Estão, ou estiveram, em todos esses teatros de operações. E lá o sol não brilhava a quarenta graus. Brilhava a cinquenta.

É dura porque dela dependem vidas.

Não usa uma boina vermelha quem quer. Usa quem a merece. E quem a usa, usa-a orgulhosamente e com mérito próprio: conceito que alguns, numa sociedade civil habituada a cunhas e favores, terão alguma dificuldade em entender. Ali ainda há valor. Há mérito. Há orgulho e sentido de corpo. Há camaradagem. E muita. 

Quem defende a extinção dos Comandos não só adere a uma vaga de populismo incompreensível como revela uma extraordinária falta de visão geoestratégica do mundo que nos rodeia. Mundo esse onde a utilização de forças especiais ou de elite tem crescido face ao uso de forças convencionais. 

Pode ser que quando alguns dos críticos de hoje se virem aflitos no dia de “amanhã”, sob ameaça da própria vida, comecem a dar valor ao treino daqueles que farão tudo ao seu alcance para os resgatar sãos e salvos. 

É bem provável que estejam Comandos entre eles.  

E, talvez aí, percebam.

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