O Bifanas

Ser estranho o Português. Queixamo-nos que não viajamos mas, quando o fazemos, não conseguimos não matar as saudades do nosso país, seja em que aspecto for. 

Se virmos um café com a bandeira portuguesa entramos e, como reis do mundo, trocamos orgulhosamente duas ou três palavras na língua de Camões enquanto esperamos por uma bica. 

Se for um concerto ou um espectáculo de um compatriota como que somos possuídos para tirar uma foto ao lado daquele cartaz, ou quem sabe, mesmo do artista. Quanto mais longe, mais a vontade. Tony Carreira em Tóquio. Isso sim, seria épico. 

Numa livraria quase que compramos um livro em Mandarim só e apenas pelo facto de o seu autor ser do país das Quinas. 

E a comida? Ei... a comida. Esse cruel pedaço do paraíso que nos atrai como um insecto é atraído para a luz. 

E O Bifanas é um desses casos. 

Bruxelas. “Capital” europeia. Cinzenta. Pesada. Longe de gerar consensos no que respeita à sua beleza mas sem dúvida um pote de culturas. Gastronomicamente os Belgas não se destacam: umas “moules”, bom chocolate e ainda melhor cerveja. Mas sem capacidade de combater o bacalhau à brás ou um arroz de pato. É uma luta desigual. 

Próximo do centro, escondido numa pequena rua secundária, encontra-se um restaurante português: O Bifanas. O seu dono? Sebastião. Nome de rei desaparecido que, quem sabe, encontrou o seu caminho para a Flandres. 

Entramos e sorrio de imediato. Estamos em casa de benfiquista. Ali, por detrás do balcão, um glorioso cachecol vermelho como que relembra a todos os que entram por aquela porta que terão, primeiro que tudo, de fazer uma vénia ao Maior do Mundo. 

O restaurante, esse, faz lembrar um qualquer estabelecimento do bairro alto. Traça antiga, com as paredes cheias de quadros de quem famoso por ali passou. Ao fundo consegue ouvir-se uns restos melódicos de Fado. Para que não haja dúvida. Ali estamos em Portugal. 

A comida? Boa. Muito boa! Como seria de esperar. O vinho? Do bom. A água ardente? Do melhor!

Mas aquele pequeno pedaço lusitano não estaria completo sem o Sebastião. O seu dono. 

É bem possível que entremos no restaurante e o oiçamos a resmungar com a mulher a alto e bom som. 

Homem do Norte, voz rouca, e com a nossa tão típica barriguinha de cerveja portuguesa, algo o distingue no século XXI: um longo, volumoso e farfalhudo bigode. Daqueles que já não se fazem. Circa 1981 para aí. 

Falar com o Sebastião é obra. Ou melhor... entendê-lo! Das vinte palavras que lhe saem da boca, se entender cinco, é um dia feliz para mim. Aquele bigode, monstruoso e cruel, como que lhe oculta os sons. Lá distingo “Jonas”, “cabrões” e “golo” e lá me oriento: estamos a falar do nosso Benfica. 

É certo como o galo cantar de manhã: no final do jantar – ou almoço! – acabamos todos, nós e ele, a saborear uma água ardente à volta da mesa. Ele a contar as suas “estórias” e eu a tentar percebê-las. E todos a rir às como se não houvesse amanhã.

Saio pelo porta e penso sempre para mim mesmo “da próxima visita a Bruxelas cá estarei novamente. 

Desço um degrau. Oiço um “Fodass” abafado vindo lá de dentro. 

Confirma-se. Aqui é Portugal.

 E como eu gosto disso.

 

O Bifanas, Rue des Dominicains, 30
1000 Bruxelas

www.merlin37.com/bifanas